O arquivamento da primeira denúncia contra Michel Temer pela Câmara na semana passada parece ter dado novo fôlego às pretensões do governo na área econômica. A pauta e os pretendidos prazos de aprovação para cada medida provisória e emenda constitucional são para lá de ambiciosos. Fala-se em aprovar a reforma da Previdência até outubro, fala-se em passar a MP 777 que substitui a TJLP pela TLP nos empréstimos do BNDES nas próximas semanas. Estão ainda na lista reforma trabalhista e a análise pela Câmara e pelo Senado da medida provisória que altera o projeto já aprovado, a simplificação tributária –abandonou-se a pretensão da reforma ampla delineada antes do início do governo Temer– e a meta fiscal.
Dessa lista, sobressai a meta fiscal como evidência mais forte de que a agenda econômica é determinada pelas vicissitudes da política, e não o contrário. Isto é, a política determina os limites do possível na área econômica, fato óbvio que tem sido constantemente ignorado pelos mercados e por muitos analistas, na esperança de que exista “descolamento” entre a crise política e institucional do país e a gestão da economia. A meta de déficit primário estabelecida para 2017 –um rombo de R$ 139 bilhões de reais– deve ser revisada em breve, a não ser que Temer permita novos cortes de gastos e aumentos de impostos, o que é pouco provável haja vista a absoluta impopularidade de tais medidas somada à sua própria. Há quem ache que a suposta demonstração de força de Temer ao afastar de si a primeira denúncia o torna infalível. Contudo, uma coisa é a vitória alcançada na Câmara, interesse compartilhado por deputados do Centrão citados ou delatados na Lava-Jato. Outra completamente diferente é convencer esses mesmos congressistas, todos interessados na sobrevivência política em 2018, de que medidas impopulares tomadas por um presidente rechaçado pela esmagadora maioria da população brasileira lhes são vantajosas. Evidência disso é a provável perda de validade da MP 774, a medida que permitia a reoneração da folha de pagamentos, e que em tese geraria arrecadação de quase R$ 5 bilhões em 2017 –a MP vence essa semana.
Sem a arrecadação pretendida caso a MP 774 caduque, com a frustração das receitas extraordinárias esperadas para esse ano, e as manobras e promessas de Temer para garantir a vitória da semana passada, a meta fiscal sofrerá golpe fatal. Caberá ao Ministro da Fazenda propor a revisão do rombo, que, caso ocorra, terá de ser aprovada pelo Congresso. Se o desfecho da meta fiscal de 2017 lembra os desmandos do governo Dilma, trata-se não de mera coincidência, mas de como as necessidades políticas se impõem sobre a agenda econômica. Sob essa perspectiva, aumentam as chances de que o governo Temer deixe como legado para o seu sucessor ou sucessora verdadeira bomba fiscal que terá de ser desativada com medidas duras logo no início do novo mandato presidencial em 2019. Tal risco não será dirimido pela eventual aprovação de uma reforma da Previdência diluída. Afinal, o ajuste de curto prazo que Temer prometera no início de seu governo não foi feito. Difícil acreditar que isso ocorrerá no ano que vem em meio à campanha eleitoral.
Os debates sobre a TLP e sobre a MP 777 tampouco devem dar sossego ao governo. A criação da TLP tem o objetivo de reduzir os subsídios implícitos pagos pelo setor público para estimular o mercado de capitais de longo prazo no Brasil. Embora os objetivos sejam corretos e a intenção louvável, há quem argumente, usando lógica, fatos e números, que a MP 777 não alcançará os objetivos pretendidos, e que poderá ter efeitos nefastos sobre a capacidade do BNDES de atender às necessidades do investimento de longo prazo –a alardeada infraestrutura, por exemplo. A discussão por vir lembra o embate sobre o teto dos gastos, onde questões relevantes sobre o desenho do teto –não sobre seu objetivo– foram levantadas, apenas para serem rechaçadas pelo governo. Na época, aqueles que ousaram dizer que o teto, da forma como fora formulado, corria o grande risco de dar errado em 2019 foram acusados de não ter preocupação com a sustentabilidade fiscal. O governo Temer agora prepara ataque semelhante ao dizer que quem critica –ainda que de forma construtiva– a TLP, defende a chamada bolsa-empresário e despreza os programas sociais. Atitudes combativas e politizadas como essa em torno de questões macroeconômicas técnicas impedem que o debate se estabeleça. Medidas importantes são, assim, tomadas aos trancos e barrancos apenas para a conquista de vitórias que futuramente hão de provar-se pírricas.
A conclusão implacável é que o governo Temer, Venezuelas à parte, é muito mais parecido com o da antecessora de quem o atual presidente foi vice do que os mercados gostariam de imaginar. Alguma hora essa realidade também haverá de se impôr.
Fonte: Poder 360
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