Todo bom doutrinador sabe que criar classificações é o último passo a ser dado dentro de uma ciência, seja qual for. A classificação tende a limitar e empobrecer a busca do conhecimento novo. Enfim, classificar crimes já existentes como hediondos nasceu do anseio popular e institucional no sentido de justificar penas mais severas para criminosos considerados irrecuperáveis, dados os meios violentos e perversos de perpetrar determinada ação ou omissão contra a vida, a honra, contra a dignidade da pessoa humana.
Foi assim que juristas do mundo inteiro formaram e integraram o Tribunal de Nuremberg, um tribunal de exceção, jamais permitido na história humana, mas justificado diante da atrocidade do genocídio e dos meios absurdos utilizados para dizimar milhões de pessoas.
Tecnicamente, o crime de corrupção não caberia na classificação dos crimes hediondos previstos na legislação pátria, pois a mesma foi elaborada para aplicação tipicamente criminal, considerando crimes contra a vida e a dignidade, tais como torturas ou requintes de crueldade em homicídios, latrocínios ou estupros, por exemplo.
O problema da corrupção em nosso país chegou a tal ponto, que sim, ao se observar Direitos Humanos protegidos pela Constituição, ao menos por um tempo, explica-se a classificação legislativa proposta. Afinal, não se trata mais de uma corrupção parcial, na qual as obras e projetos são efetivados e uma parcela da verba acaba em mãos de políticos e empresários. Nos últimos 10 anos as obras não ocorrem nas suas totalidades e os serviços sociais são inexistentes, ao mesmo tempo em que todos os dias o povo é bombardeado por notícias de conchavos, desvios de verbas milionárias ou bilionárias que beneficiam apenas o partido do governo e seus aliados, sobrando, inclusive, algumas migalhas para a oposição, a qual se contentou com isso nesse mesmo período.
Sendo mais pragmático, se considerarmos dentre tantos problemas nacionais alguns mais críticos, tais como a falta de hospitais, a falta de leitos nos poucos hospitais, a falta de profissionais capacitados e remunerados nesses mesmos hospitais; as empresas concessionárias de transportes públicos que ganham fortunas sem manter os veículos e abastecimento das linhas em condições minimamente dignas; a prostituição infantil em todo território brasileiro e, apenas para constatar umas das mais graves feridas pátrias, a falta de escolas, a falta de creches, e nas existentes, a falta de profissionais capacitados e bem remunerados, pois são os professores que instruem as gerações que vão nos substituir, vamos colher números de uma guerra mundial, mortes e miséria em escala de genocídio. E isso é hediondo.
Como o Brasil é um dos países que mais arrecada tributos no mundo, o que explica o Estado ter tanta verba arrancada do trabalho popular sem entregar de volta serviços minimamente dignos à população? A corrupção. O desvio de verbas. A impunidade política, eleitoral, criminal, civil, enfim, a certeza de que nada vai ocorrer de grave na vida daqueles que representam o cidadão brasileiro seja qual for a gravidade das denúncias e provas contra eles.
Então, cada vez que falta um leito, cada vez que um diagnóstico errado mata, cada vez que falta material e leito em um hospital; cada vez que o sujeito falta no trabalho e é descontado por falha no transporte público; cada vez que aparece uma menor estuprada e morta nas estradas e hotéis; cada vez que crianças e jovens ficam sem aula, material didático, classe, carteiras, professores, basta lembrar que tudo isso e muito mais ocorre porque a verba arrecadada de cada brasileiro está sendo usada para viagens nababescas, cartões corporativos do governo sem limites de crédito e cujos gastos são mantidos como confidenciais, compra de carros importados para esposas, filhos e parentes dos eleitos, assim como coberturas frente ao mar por toda orla brasileira e estrangeira, voos, festas, churrascos e jantares apenas para os membros do Congresso, da presidência e seus ministros, e de alguns membros do Supremo Tribunal Federal, razão pela qual também não temos ainda uma Corte Constitucional, voltada apenas para fazer valer o texto maior.
Diante dessa verdadeira endemia de queima dos valores tais como Justiça, Direito e Moral, como não considerar a corrupção como crime hediondo ainda que temporariamente, enquanto tentamos resgatar nossa nação? Tecnicamente pode ser inadequada a classificação, mas diante dos políticos hediondos que torturam e matam a população em verdadeiro genocídio, talvez esse grito de desespero ajude a acordar o povo.
O que pode ser mais hediondo do que sabotar o povo que se representa em escalas e números de mortes que se equiparam a uma guerra mundial? É a traição maior. É insuportável.
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