A inflação é uma preocupação crescente para todos. O IPCA, que é o índice que mede a alta dos preços para famílias com rendimentos de até 40 salários mínimos, registrou 6,49% no acumulado em 12 meses; o INPC, que é o índice da classe de renda até 5 salários mínimos, superou-o, está em 7,16%, angustiando ainda mais os mais pobres.
Já a inflação de quem ganha salário mínimo, a da cesta básica calculada pelo Dieese, subiu 21,9% em um ano. Como essa classe de renda teve um reajuste de 9%, ficou mais pobre, a sacola da feira está mais leve do que no ano anterior. Esses dois números (21,9% e 9%) mostram que a alta descontrolada de preços prejudica mais quem ganha menos. Não é novidade, sempre foi assim. Tem mais.
A inflação funciona como um imposto (ruim) que diminui o poder de compra de todas as camadas de renda e com isso há impactos adversos no consumo e na inadimplência. No acumulado deste ano, as vendas em supermercados e hipermercados subiram apenas 1,8% em relação ao que passou. Feitos os devidos ajustes em razão do aumento da população e na pirâmide de rendimentos, é razoável afirmar que os mais pobres estão ficando com uma fatia menor do bolo.
Outro problema inflacionário é a inadimplência. Como a renda real caiu, alguns pagamentos são postergados. O Banco Central informa que, de cada R$ 3,00 devidos no cartão de crédito, pelo menos R$1,00 tem o pagamento atrasado em mais de 15 dias. As dificuldades financeiras já são uma preocupação da sociedade, que observa a formação de um circulo vicioso com financiamento baixo e crescimento.
Se a situação atual da inflação preocupa, as perspectivas angustiam ainda mais. Sua dinâmica está se transformando. As projeções de alta de preços subiram, e é comum que o mercado faça estimativas para mais ou para menos. Entretanto, em nove das dez últimas projeções mensais, apesar de maiores, os analistas estimaram um valor menor que o IPCA real. Subestimaram o índice 90% das vezes. É um sinal inequívoco de que a dinâmica inflacionária está piorando.
Há mais indicadores de que o processo de preços não está tão controlado como afirmam alguns. A expansão monetária, medida pelo papel-moeda em poder do público, está crescendo 14,3% ao ano. A dívida pública aumentou de 53,3% para 59,2% do PIB em apenas dois anos e três meses do atual governo. É uma trajetória que desperta preocupações. Entretanto, há inúmeras referências de que a dívida líquida está caindo, sem mencionar que de fato a pressão fiscal na economia está aumentando. É oportuno recordar que na literatura econômica as expansões de gastos excessivas do governo têm consequências recessivas causadas pelo efeito deslocamento.
Também conhecido como crowding out, refere-se a situações em que o setor público desloca a produção e o consumo do setor privado (daí o nome deslocamento). Como a produtividade dos investimentos do governo é menor do que a dos particulares e há menos dispêndios em razão de impostos maiores, o crescimento da economia é mais baixo. Resumindo, no quadro atual, quanto maiores forem os gastos fiscais, menor será o crescimento.
Há outras distorções na economia brasileira, como a perda de competitividade da indústria e a deterioração do equilíbrio externo. O ponto é que os indicadores macroeconômicos estão piores do que poderiam estar em função de sua condução.
O título do artigo faz referência a isso. Vem do ato de lavar as mãos de Pôncio Pilatos. Em política, o termo está associado a quatro atitudes: 1) eximir-se de responsabilidades; 2) tratar como iguais coisas diferentes; 3) ceder a pressões populares para agradar à multidão de imediato; e 4) não fazer o que é claramente certo.
1) É fato que parte da deterioração do quadro econômico se deve a fatores exógenos – fora do controle do governo, como a alta de preços agrícolas (que beneficia o agro) e o que acontece no resto do mundo (que em média está crescendo mais que o Brasil). Entretanto, o restante é de responsabilidade interna. Se outros países com menos condições estão conseguindo fazer mais, indica que é possível desempenhar melhor aqui dentro. Lavar as mãos culpando o resto do mundo não é a saída.
2) Não poderia haver igualdade mais desigual que a de um criminoso conhecido como Barrabás e um inocente. É importante dar os pesos corretos quando colocados na balança uma alta temporária dos juros com um agravamento da dinâmica inflacionária ou o aumento de gastos públicos com seus benefícios para o país.
3) Há situações em que se deve ceder a pressões – não era o certo, no caso histórico. Todavia, um governante não pode ficar refém de pesquisas de opinião e de popularidade no curto prazo. Juros mais baixos e mais gastos públicos são desejos de todos, mas dentro de limites viáveis. Exageros têm o efeito oposto ao desejado no médio prazo. O desempenho recente da economia prova.
4) O receituário para fazer o Brasil crescer é conhecido, é o RT, as Reformas e o Tripé das políticas cambial, monetária e fiscal. Há espaços para uma reengenharia institucional, mas insiste-se numa lei cambial e trabalhista da década de 1930, em regulamentações que emperram a produção nacional e num arcabouço fiscal tributário que beneficia a poucos em detrimento de um futuro melhor para o país.
A economia brasileira como um todo tem mais pontos positivos do que negativos. O país vai crescer 3% este ano e um pouco mais em 2014 e o governo tem méritos. Mas é pouco, pode-se e deve-se ambicionar mais, é possível e é viável.
É paradoxal, mas um aperto monetário e fiscal no atual quadro macroeconômico teria um impacto expansionista, em vez de recessivo. Sinalizaria ao setor empresarial o comprometimento do governo com o tripé. Se a isso for adicionado o início de um ciclo de reformas, pode-se esperar um desempenho compatível com o potencial do Brasil. É hora de torcer.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 27/05/2013
É um privilegio ler um texto tão lúcido e vigoroso!
Parabéns, Roberto Luis Troster. Continue sempre dissipando a névoa da disinformaçao!
O Brasil carece de bons faróis!