O recado de Lula foi direto: o governo precisa partir para a ofensiva, rebater as denúncias e defender “com unhas e dentes” a Petrobrás. Como assim? Como será possível defender a estatal quando pairam sobre ela contundentes denúncias de transações mal feitas, teias de corrupção e escândalos, sob a inexorável constatação de que ela vale, hoje, cerca de R$ 175 bilhões, menos da metade dos R$ 380 bilhões estimados em 2010, quando o preço do petróleo subiu aos picos e o pré-sal vitaminava a euforia do PT? Luiz Inácio, como se diz no vulgo, quer fazer do limão uma limonada.
A sugestão dará certo? Ao menos é a mais criativa. Como se sabe, diante de uma situação embaraçosa, ao ator político resta escolher entre duas estratégias: a de negociação e a de confronto. O bombardeio sobre a Petrobrás começou há tempos. A tentativa de encontrar respostas satisfatórias para a aquisição da refinaria de Pasadena tem sido ineficaz, porque o caso ganhou novos contornos com revelações envolvendo ex-funcionários, parlamentares, partidos e lobistas. O ex-presidente deve ter chegado à conclusão de que a linha de confronto é a mais indicada.
Na ciência política, campo que ele domina por instinto, a estratégia de enfrentamento de conflitos é inserida no capítulo das redundâncias, que estuda os caminhos possíveis para alcançar um objetivo. Conversa mole e desculpa esfarrapada não levam a lugar algum, deve ter pensado Luiz Inácio. Daí a ideia de desembainhar o facão.
Casos clássicos de redundância são os que se conhecem por “nó górdio” e “ovo de Colombo”. O oráculo prognosticara que o guerreiro que conseguisse desatar o nó que atava o jugo à lança do carro de Górdio, rei da Frígia, dominaria a Ásia. Muitos tentaram. Alexandre Magno, a quem também foi posto o desafio, tinha duas opções: desfazer o nó, corda a corda, ou cortá-lo com a espada. Foi o que fez. Cristóvão Colombo não ficou horas tentando equilibrar o ovo em posição vertical. Com uma batida na extremidade mais larga, pumba, o ovo fixou-se sobre a mesa. Alexandre e Cristóvão exibiram a capacidade de antever possibilidades, quando a maioria das pessoas só enxerga restrições.
Outra versão que se pode fazer da visão de Lula é a de que a campanha eleitoral, mesmo não sendo ele candidato, será desenvolvida sob seu condão. Assume de vez o comando geral. Afinal, trata-se de consolidar o projeto de poder do PT. Cochilos, desvios de comportamento por parte de petistas, borrascas na economia, inflação na área de alimentos, arruaças na Copa, apagão de energia ou até falta d’água nas torneiras, a par de erros de estratégia, ameaçam o empreendimento petista. E quem sabe manejar melhor os pauzinhos da política e das eleições? Ele, Lula, o último dos moicanos, quer dizer, o perfil que ainda exibe acentuados tons de carisma. No fundo, o que o mandachuva começa a fazer é dar as coordenadas para a administração de fatores ponderáveis que poderão influenciar o pleito.
O território da ponderabilidade é vasto. Abriga tudo o que é provável ocorrer, numa escala que abriga situações com forte, média ou tênue previsibilidade. Vejam-se as obras da Copa. Algumas estão fora do cronograma e podem causar embaraços. Pode haver apagões? É pouco provável, mas não impossível. Haverá manifestações nas cercanias de estádios? Também é possível, tendo em vista a radiografia que estampa crescente participação de grupos de pressão com interesse em aproveitar o clima eleitoral para propagar demandas. A inflação poderá enervar os consumidores da cesta básica e contribuir para a desestabilização eleitoral? Se subir muito, certamente. Não é à toa que Lula pede ação de Dilma para melhorar a economia. Ele sabe que o bolso (as bolsas) supre a barriga das massas e um troco a menos diminuirá a cota de pão sobre a mesa. Administrar a pauta das demandas, garantir a harmonia dos habitantes da pirâmide social, principalmente os conjuntos que ascenderam ao pavimento da classe média baixa (40 milhões de pessoas), conter o touro inflacionário, eis o quebra-cabeças de Lula e sua pupila.
E a onda do “volta Lula”? É razoável? Na escala da probabilidade, está no último degrau. Só em última instância o ex-presidente toparia a parada. Como exemplo, o descontrole da inflação. A economia é a locomotiva que puxa os carros do trem da política. Saindo dos trilhos, provoca um desastre. Com a força do carisma e do gogó (que não pode estar desafinado), Luiz Inácio se esforçará para fazer o trem chegar à estação. Não será fácil apertar todos os parafusos da engrenagem. Resta aduzir que há na política um fator incontrolável, que não pede licença para entrar no saguão eleitoral e mudar o mapa dos votos. Ele poderia também puxar Lula para a candidatura. É o imponderável. Pode ocorrer a qualquer momento em qualquer lugar. Acidentes ou incidentes graves, eventos de grande impacto, borrascas inesperadas se escondem na caixa das coisas imponderáveis.
Vejam o caso do jegue no Piauí. Eleições de 1986, comício de encerramento de Freitas Neto, do antigo PFL, na Praça do Marquês. Desde a manhã os carros de som convidavam o povo para o monumental show de Elba Ramalho. Às 18 horas, praça lotada, a massa urrava: “Queremos Elba, queremos Elba!”. Os caminhões com os equipamentos de som só chegaram em cima da hora do comício. Começou a cair um toró. Pipocos e faíscas. Os cabos, em curto-circuito, queimaram. Comício sem som? Elba mostrou o contrato: “Sem som não canto”. Sob insistente apelo do candidato, propôs cantar uma música. Arrumaram um banjo para acompanhá-la. Nem mesmo começara a cantar, passou a vociferar: “Imbecis, ignorantes, não façam isso”. No meio da multidão, a cena constrangedora: a galera abria a boca de um jumento e derramava nela uma garrafa de cachaça. Sob apupos, acabava o comício. O candidato perdeu a campanha por menos de 2%. O caso foi contado de boca a boca. O imponderável: um jumento embriagado em Teresina.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 13/04/2014
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