por Hélio Zylberstajn e Luciana Yeung
Em agosto de 2009, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) baixou a Portaria 1.510/09, que regulamentou o uso do controle eletrônico do ponto, dando prazo de um ano para as empresas se adaptarem. A determinação provocou reação muito grande das empresas, a tal ponto que o ministro teve de recuar, adiando sucessivamente sua entrada em vigor. Neste momento, há um grupo de trabalho tripartite para reexaminar a questão, com poderes para reformular a portaria, que vigorará a partir de 1º de setembro deste ano.
O assunto interessa diretamente a centenas de milhares de empresas que utilizam o controle eletrônico do ponto, porque terão de trocar seus equipamentos. Mas, indiretamente, interessa a todos os cidadãos, porque a controvérsia nos leva a discutir os métodos que o Estado utiliza para regular as relações de trabalho.
Segundo o MTE, haveria fraudes generalizadas no controle eletrônico do ponto, praticadas pelas empresas, em detrimento dos trabalhadores. As empresas exigiriam que seus empregados trabalhassem além da jornada normal, violariam os arquivos de registro do ponto, eliminando as horas extraordinárias. Os trabalhadores deixariam de receber as horas trabalhadas em excesso, o que justificaria as normas rígidas da Portaria 1.510/09. Para o MTE, a portaria cria um sistema “imune a fraudes” e, portanto, capaz de proteger os trabalhadores contra os abusos dos patrões.
Por falta de espaço, deixamos de analisar, aqui, a portaria em si. Mas o leitor pode imaginar os exageros nela contidos apenas com a menção de uma das suas exigências: a impressão de um comprovante cada vez que o trabalhador acionar o controle de ponto. Como são 4 vezes por dia, o trabalhador teria de guardar aproximadamente mil papeletas por ano para comprovar as horas trabalhadas! Há mesmo necessidade de tudo isso? A fraude do ponto eletrônico seria tão generalizada, como argumenta o MTE?
Em busca de uma resposta, fizemos uma pesquisa nos registros da Justiça do Trabalho, supondo que fraudes generalizadas produziriam muitas reclamações contra as empresas. Examinamos as páginas da internet de dois Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), o TRT 4 (Rio Grande do Sul) e o TRT 2 (São Paulo – região metropolitana e litoral). Como, infelizmente, as páginas não põem à disposição os processos de primeira instância, tivemos de limitar a busca aos de segunda instância (os chamados recursos). Levantamos as sentenças de todos os processos entre janeiro de 2001 e início de maio de 2011. Utilizamos ferramentas de busca por palavras-chave e separamos todos os casos com reclamações sobre horas extraordinárias e, entre estes, destacamos os que se referiam a controle eletrônico do ponto.
Encontramos os seguintes resultados: no TRT 2, houve no período 856 mil processos. Destes, aproximadamente 351 mil continham reclamações sobre horas extraordinárias. E destes, apenas 4.347 se referiam a ponto eletrônico. No TRT 4, no mesmo período, houve 568 mil processos, sendo aproximadamente 200 mil sobre horas extras. Destes, apenas 5.208 se referiam a ponto eletrônico. Portanto, nos últimos 11 anos, a proporção de reclamações envolvendo sistema eletrônico de controle de ponto foi de apenas 0,5%, em São Paulo, e de 0,9%, no Rio Grande do Sul. Considerando os dois TRTs em conjunto (que correspondem a 24% do mercado formal de trabalho do País), as reclamações sobre ponto eletrônico representaram apenas 0,7% do total de processos.
Acreditamos que reunimos evidências indicando que a frequência de reclamações sobre ponto eletrônico é pequena e não justifica tanta preocupação do MTE. Certamente há maneiras mais adequadas e avançadas para tratar a questão. A segunda conclusão é de que os formuladores de políticas trabalhistas deveriam utilizar as ferramentas da Tecnologia da Informação para produzir dados para balizar suas decisões de políticas públicas.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 03/08/2011
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