“Se os homens fossem governados por anjos, o governo não precisaria de controles externos nem internos”. A afirmação é de James Madison (1751-1836), arquiteto do desenho institucional do presidencialismo. A melhor forma de exercer controles sobre governantes é maximizando —através do desenho institucional— a formação de interesses contrapostos.
O fechamento parcial do governo federal americano por 35 dias (de 22 de dezembro de 2018 a 25 de janeiro de 2019) não foi, assim, falha institucional, mas resultado antecipado. A perda de controle republicano na Câmara dos Representantes nas eleições de meio de mandato, em novembro, é produto do desenho institucional. Com o governo Trump amordaçado dessa forma, quiçá o livro “When Democracies Die”, de Levitsky e Ziblatt, sequer fosse lançado.
No presidencialismo madisoniano, presidentes e Legislativo são eleitos em sufrágios separados e por maiorias distintas. O primeiro, por colégio eleitoral, os senadores pelas assembleias legislativas, e os deputados federais por distritos uninominais. E, claro: membros do Legislativo têm de renunciar a seus assentos no parlamento se passam a fazer parte do gabinete.
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Para aumentar a probabilidade da contraposição de forças políticas distintas —sobretudo as extremistas—, os mandatos são defasados no tempo: o dos deputados é de dois anos, o dos senadores, de seis anos, e o do presidente, quatro anos sem direito à reeleição. As eleições de meio de mandato criam a possibilidade de que a maioria que elegeu o presidente seja distinta da que elegeu o Legislativo.
O presidencialismo latino-americano nos últimos dois séculos vem se desviando do desenho original. A lista é longa: todos os países da região passaram a adotar a representação proporcional ou sistemas mistos, inaugurando o multipartidarismo como forma modal. Os colégios eleitorais, adotados em Chile, Argentina, Paraguai, foram abandonados.
Houve também extensa delegação de poderes aos presidentes. Por sua vez, a reeleição consecutiva de presidentes foi permitida em quatro países, e a não consecutiva, em seis. As eleições legislativas não simultâneas foram abandonadas —desde 1980, 60% delas são concorrentes.
A principal consequência é que instaurou-se uma dinâmica parlamentarista no sistema presidencial, porque foram criados incentivos para a formação de coalizões de governo. Sob democracias, presidentes tipicamente governam com maiorias partidárias.
O debate sobre democracia e populismo não pode fazer tábula rasa do conhecimento acumulado sobre o efeito da renda e da história sobre regimes políticos. Muito menos do desenho institucional.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 18/03/2019