O governo precisa entender que as concessões ligadas a serviço de infraestrutura são públicas, e não políticas. Nossas autoridades, tanto federais como estaduais, parecem não ter esse entendimento, principalmente em períodos eleitorais e de crise. Com isso, os melhores investidores privados são afastados destes setores e se perpetuam no País serviços de infraestrutura de baixa qualidade, comprometendo a competitividade dos produtos brasileiros e penalizando toda a sociedade. E os tão sonhados e desejados investimentos em infraestrutura nunca chegam no montante que o País precisa.
Em todas as crises anteriores e nesta do coronavírus não é diferente: a primeira ideia dos políticos, do governo e do Ministério Público é usar as tarifas públicas para amenizar a situação dos consumidores. Parecem esquecer que as tarifas públicas de energia elétrica, gás natural, telecomunicação, água e outros serviços públicos são reguladas pelas agências reguladoras. E isso ocorre porque nesses setores existe a presença de monopólio natural. Os concessionários de serviços públicos têm as suas tarifas reajustadas nos ciclos tarifários e o resultado dessas revisões tem como objetivo garantir o equilíbrio econômico-financeiro das empresas para que seja prestado um serviço de qualidade, assegurado para todos os consumidores.
Portanto, qualquer medida que afete a rentabilidade das concessionárias tem de ser feita com muita atenção e cuidado, porque sua primeira vítima será o consumidor, com a possível queda na qualidade do serviço prestado e uma conta maior para pagar no futuro.
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Medidas precipitadas sempre vão gerar insegurança regulatória e jurídica. Passada a crise – ou mesmo durante ela –, ocorrerá uma enorme judicialização, e sempre quem paga a conta serão os consumidores. O maior exemplo disso foi a Medida Provisória (MP) 579, do setor elétrico, no governo Dilma, que beneficiaria os consumidores reduzindo a tarifa em 20%, mas acabou gerando uma conta que até hoje está sendo paga pelos consumidores.
Isso não quer dizer que nada deva ser feito quando vivemos momentos de crise grave como esta do coronavírus. A principal preocupação sempre tem de ser com os consumidores de baixa renda. No Brasil, no caso da energia elétrica, existe um cadastro de aproximadamente 8 milhões de famílias beneficiadas pela tarifa social. O foco de qualquer política deveria se restringir a esses consumidores de baixa renda. Qualquer extrapolação de benefícios para outro grupo de consumidores levará ao desequilíbrio econômico-financeiro das empresas. De imediato, as empresas sofrerão uma perda de capital de giro. É bom lembrar que em momentos de crise econômica sempre ocorre queda na demanda. Esses dois movimentos – queda da demanda somada à inadimplência – vão comprometer a saúde financeira das distribuidoras.
Qualquer mecanismo que se crie para compensar a perda de capital de giro pelas distribuidoras, como, por exemplo, a criação de um fundo ou empréstimo compulsório, vai acabar criando mais distorções. Criação de fundos e empréstimos compulsórios são ideias velhas e nunca deram certo.
O momento exige criatividade. O correto é preservar empregos e renda, e o mais eficaz seria reduzir as contribuições que incidem sobre a folha de pagamentos, como para a Previdência Social ou o Sistema S, desde que as empresas se comprometam a preservar os empregos. Em resumo, desonerar a folha de pagamento.
Aprovar políticas propondo não pagar pelos serviços de utilidade pública é puro populismo. Essa política terá resultados desastrosos. O correto é que qualquer programa de auxílio durante períodos de crise seja sempre bancado pelo conjunto da sociedade, e não por determinados setores, como os de energia elétrica, gás natural, água e outros.
Os desmandos do governo federal e estadual na atual crise do coronavírus mostram, mais uma vez, que nossas autoridades governamentais não entendem, ou não querem entender, que a concessão é pública, e não política. E o resultado será o aumento exponencial de processos de judicialização.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 4/4/2020