Terceiro volume de série que denuncia achatamento de tarifas em Brasil e Argentina será lançado no Rio
Doutor em economia pela universidade de Yale e um dos mais conhecidos especialistas em contas públicas do país, Raul Velloso lança nesta terça-feira, a partir das 14h30m, na sede da Confederação Nacional do Comércio (CNC), no Centro do Rio, o livro “Intervenção estatal e populismo: a Argentina do século XXI”. A obra encerra uma trilogia que começou com o livro “Infraestrutura: os caminhos para sair do buraco”, seguido por “Energia Elétrica a caminho do estrangulamento” – este último lançado no dia 13 de maio, também no Rio. Velloso define o trabalho como “trilogia antipopulismo tarifário”.
— Por mim, seria uma quadrilogia, pois está faltando o petróleo — diz ele, que escreveu sobre a Argentina junto com o jornalista e colunista do diário argentino “La Nación”, Néstor Scibona; o presidente da Qualificadora de Risco Latino-Americana, Enrique Szewach; e Daniel Oliveira, doutor em Economia pela London School of Economics and Political Science (LSE).
O que os três livros têm em comum? Velloso afirma que é a denúncia de que os governos de Brasil e Argentina estão praticando uma política de achatamento de tarifas públicas – alimentada pelo populismo – que já está prejudicando o funcionamento das duas economias.
Para obter votos e agradar a certos segmentos, as autoridades reduzem na marra tarifas básicas como de petróleo, energia elétrica e transportes, abaixo dos custos de produção desses bens e serviços. Isso dificulta a sobrevivência das empresas envolvidas e impede a necessária expansão da oferta desses mesmos bens e serviços no futuro, diante da baixa atratividade dos investimentos nesses setores.
— Ao final, a troco de aparentemente beneficiar os usuários ou consumidores a curto prazo, os governos acabam criando várias distorções e um problema de descompasso entre demanda e oferta no longo prazo, em casos como o da energia elétrica, agravado como está por outros ingredientes críticos, como a hidrologia desfavorável. Isso pode levar à repetição da dramática experiência de racionamento à la 2001 — alerta o economista.
Nesse contexto, Brasil e Argentina têm tido uma experiência recente muito parecida, que começou no início dos anos 2000, com a ascensão dos Kirchner, na Argentina, e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil. Velloso lembra que as consequências foram muito mais drásticas para os vizinhos, algo que deve nos levar a refletir cuidadosamente sobre o assunto para tentar evitar a repetição dos mesmos erros.
Para o autor, o populismo tarifário é parte, nos dois casos, de um modelo econômico mais amplo, chamado no livro de “um modelo impossível”, em que se busca simultaneamente maximizar o consumo da população e fazer da indústria o carro-chefe da economia. Como isso não dá certo, os governos acabam apelando para medidas compensatórias para a indústria, como a redução forçada das tarifas de energia elétrica. Esse cenário cria novas distorções, os investimentos desejados não são atingidos e a indústria continua produzindo menos.
Velloso destaca que o populismo tarifário, ou seja, a prática de crescimento de tarifas abaixo do aumento dos custos, tenta matar vários coelhos com uma cajadada só: oferecer redução de custos para a indústria a fim de ajudar a viabilizá-la; garantir preços menores para os consumidores domésticos, que passam a consumir de forma insustentável; e ajudar no combate à inflação, contendo a alta de preços administrados.
Para ele, os dois países desdenharam sua vocação natural, de grandes produtores e exportadores de commodities. Em vez de tirarem proveito dessa vantagem comparativa em relação a outros mercados, preferiram investir em consumo e dar benesses fiscais ao setor industrial.
— Nós tentamos, o tempo inteiro, dentro de uma ideia antiga que vem da década de 50: ser campeões da indústria. Esse modelo é impossível. Os dois governos jogaram toda a lenha na fogueira em um modelo voltado para o consumo da população e não para o investimento, para a poupança interna. Veja o caso da indústria automobilística. Não dá para crescer o consumo e o setor industrial fortemente ao mesmo tempo.
Em sua opinião, a Argentina de hoje está à beira de mais uma crise de grandes proporções. Por sua vez, o Brasil tem sérios problemas de energia elétrica no radar e fiscais “debaixo do tapete”, mas pode até ultrapassar o período eleitoral sem maiores traumas. A partir daí, no entanto, não importa quem seja o próximo presidente da República, será preciso dar uma guinada na direção de mais poupança e menos consumo.
Resenha:
As diferenças e as semelhanças
Os autores do livro “Intervenção estatal e populismo – a Argentina do século XXI” exploram a proximidade política, econômica e social entre brasileiros e argentinos, pontuando as diferenças e as semelhanças entre os países e os governos.
Como ilustração, comparam Argentina e Brasil a dois carros que andam na mesma rodovia a velocidades diferentes. Um segue rápido, mesmo diante de situações de perigo, realizando manobras arriscadas, sem se importar com os sinais de trânsito. O outro vai em frente com mais cuidado, arrisca-se menos, pratica infrações, mas evita levar muitas multas. O detalhe em comum é que os dois veículos são mal dirigidos e, dificilmente, chegarão com sucesso ao final da viagem.
A partir daí, o livro discorre sobre as políticas macroeconômicas adotadas nas últimas décadas pelos dois países, usando como passo inicial o ano de 2003, início das gestões de Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner. Ambos iniciaram os seus governos em um ambiente externo bastante favorável, com forte expansão da demanda internacional por commodities.
Com 115 páginas, capa de Fernando Vasconcelos e produzido pelo Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae), os autores mencionam fatores importantes que são, hoje, parte da realidade argentina: alto desemprego e salários baixos reais, capacidade ociosa e baixo investimento em infraestrutura e energia.
Fonte: O Globo
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