*Por Edmar Bacha e Regis Bonelli
Já se tornou um clichê entre os economistas parafrasear a abertura de Anna Karenina, que todas as famílias felizes são parecidas; as infelizes são infelizes cada uma a sua maneira. Mas a citação é pertinente para descrever as economias do Brasil e do México desde 1980.
Depois de um longo período de prosperidade, ambos os países viram suas taxas de crescimento afundar quase sincronicamente. Tiveram uma década perdida nos anos 1980 e introduziram reformas econômicas liberalizantes nos anos 1990. A ascensão da China fez suas fortunas diferirem na primeira década deste século, beneficiando o Brasil e prejudicando o México. Mas depois da Grande Recessão ambos estão tendo dificuldade para alcançar taxas decentes de crescimento.
Os dois países experimentaram contrações na acumulação de capital que foram profundas e duradouras, associadas aos colapsos do crescimento do PIB a partir do início dos anos 1980. As quedas na acumulação de capital não se deveram, entretanto, a declínios nas taxas de poupança, porque essas permaneceram constantes ou mesmo aumentaram depois de 1980. Os principais culpados pelos desastres foram quedas pronunciadas na produtividade do capital no México e fortes aumentos nos preços relativos do investimento no Brasil. Esses movimentos coincidiram com a crise da dívida do início da década de 1980 e com as subsequentes respostas de política: substituição ineficiente de importações de bens de capital no Brasil e políticas sociais que resultaram em aumento da informalidade no México.
Apesar dessas semelhanças macroeconômicas, quando olhamos a evolução das respectivas estruturas econômicas mais a fundo, descobrimos que Brasil e México se tornaram infelizes cada um a sua maneira.
Na dimensão regional, observamos uma tendência para a desigualdade da renda entre os Estados aumentar no México e diminuir no Brasil desde a década de 1990. A razão aparente é que a atividade manufatureira floresceu no Norte do México, bem integrada com os EUA, mas com poucas ligações com o resto do país. No Brasil, ao contrário, a atividade manufatureira, altamente concentrada em São Paulo, perdeu dinamismo. Enquanto isso, a agricultura e a mineração, que são melhor distribuídas regionalmente, ganharam tração com o superciclo das commodities. Além disso, transferências de renda e políticas de salário mínimo foram mais eficazes para redistribuir renda do que programas similares no México. Mesmo assim, o Brasil continuou sendo um país mais desigual do que o México.
Dados sobre o comportamento da produtividade dos setores que participam ou não do comércio exterior mostram uma tendência para convergência das produtividades relativas no Brasil. Enquanto isso, no México a tendência é de divergência, com os setores que não entram no comércio exterior (serviços, em geral) se atrasando substancialmente em relação aos que participam do comércio exterior (manufaturas e petróleo, predominantemente). Esse resultado é consistente com a visão de que no México os setores que participam do comércio exterior são muito dinâmicos, mas esse dinamismo não extravasa para os setores voltados para o mercado doméstico. Enquanto isso, no Brasil os setores que entram no comércio exterior lutam para alcançar a produtividade dos setores voltados para o mercado interno (basicamente por causa da importância da agricultura nas exportações).
[su_quote]Para se tornar rico um país tem que conseguir integrar-se tanto doméstica quanto internacionalmente[/su_quote]
Quando se compara a evolução da produtividade por tamanho das firmas, o quadro para o México é bastante claro: o crescimento da produtividade das firmas grandes é muito maior do que o das firmas médias e pequenas, cuja produtividade, reduzida como já era, caiu ainda mais. A implicação é que, no México, o problema da baixa produtividade deveu-se de forma clara às pequenas e médias empresas, uma proporção alta do emprego nas quais é informal. No Brasil, o quadro é muito diferente: o crescimento da produtividade das empresas pequenas e médias na indústria de transformação foi similar ao observado nas empresas grandes. Lamentavelmente, em empresas de todos tamanhos o crescimento da produtividade foi extremamente baixo.
Constatamos, finalmente, que o México tem uma taxa de informalidade do trabalho mais alta do que o Brasil apesar de ter uma renda per capita mais alta do que a de nosso país. Além disso, lá a informalidade tem permanecido relativamente constante. Isso contrasta com o Brasil, onde a taxa de informalidade declinou substancialmente de 60% para 47% do emprego total no início deste século.
Concluímos que há diferenças relevantes na experiência recente de baixo crescimento dos dois países. O México abriu sua economia para comerciar com o resto do mundo e assim teve sucesso em desenvolver um setor industrial de primeira classe na região Norte mais rica do país. Uma integração doméstica similar não acompanhou essa integração externa. O dinamismo das grandes firmas exportadoras do Norte não se difundiu para as empresas médias e pequenas, informais, voltadas para o mercado interno, das regiões mais pobres do Sul. Como estas geram a maior parte do emprego e uma parte importante da produção total, a consequência foi uma taxa muito baixa de crescimento da produtividade do trabalho como um todo.
A disparidade entre os setores “moderno” e “tradicional” parece haver se ampliado no México. No Brasil, em diversas dimensões esse dualismo diminuiu. O Norte mais pobre cresceu mais rápido do que o Sul mais rico. A agricultura se deu melhor do que a manufatura. As grandes firmas não se sobressaíram em relação às firmas médias e pequenas. A informalidade diminuiu na última década. O problema do Brasil parece ter sido que, em contraste com o México, suas grandes firmas manufatureiras não se integraram à economia mundial e assim viram sua produtividade crescer quase nada. Isso resultou numa alavanca muito fraca para conseguir fazer mover o resto da economia para cima. Deste modo, o país permaneceu numa trajetória de baixo crescimento, exceto quando premiado pela loteria das commodities.
A conclusão é que para se tornar rico um país tem que conseguir integrar-se tanto doméstica quanto internacionalmente. Os colapsos de crescimento do Brasil e do México mostram como é difícil fazer as duas coisas ao mesmo tempo.
*Edmar Bacha é diretor do IEPE/Casa das Garças; Regis Bonelli é pesquisador do Ibre-FGV.
Fonte: Valor Econômico, 21/8/2015
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