“(…) Para as economias periféricas, entretanto, nunca houve condescendência: em caso de crise, a política econômica não poderia ser anticíclica, dirigida para minorar seus efeitos, mas perversamente pró-cíclica, para restabelecer a confiança abalada.” André Lara Resende
A epígrafe a este artigo resume como foi a política econômica brasileira ao longo de toda a década de 90. Para ser mais completo, ao longo da maior parte da República nossa política econômica foi dolorosamente pró-cíclica, isto é, aprofundou a recessão em curso, quando a economia mais precisava dela. No presente artigo discuto a teoria e prática da política econômica, tendo por foco a mudança de um regime que privilegiou a conquista de credibilidade para outro que tem por foco uma baixa taxa de desemprego.
A política econômica é um misto entre o pragmatismo da ciência e a flexibilidade da arte. Possivelmente pelas dificuldades inerentes em conciliar conceitos tão distintos que tal campo da macroeconomia esteja sempre em constante mutação e debate. Se, afinal, o objeto da política econômica é a construção de uma economia bem estruturada, são muitas as dúvidas e incertezas existentes sobre como proceder dentro desse escopo. Desse modo, fins e meios dependem soberbamente do grau de limitação a que está sujeita a economia.
No Brasil que vigorou antes da crise cambial de 2002, havia um problema crônico de restrição externa. Imagine, por suposto, que um determinado país faça transações comerciais e financeiras com o restante do mundo. Para que tais operações sejam concluídas, necessitasse de uma moeda que seja aceita por todos. Para que tal país tenha acesso à quantidade suficiente dessa moeda para dar conta daquelas obrigações, ele pode basicamente fazer quatro coisas: I) vender bens e serviços que lhe garantam um fluxo de receitas condizente com suas obrigações com o resto do mundo; II) receber receitas financeiras de ativos aplicados em outros países; III) atrair capitais externos para ativos domésticos; IV) recorrer a empréstimos de organismos multilaterais.
Se o país não consegue que as opções I e II sejam condizentes com suas obrigações para com o resto do mundo, só lhe restam as últimas duas. Dessas, a mais corriqueira é a terceira, sendo a quarta apenas escolhida quando a situação econômica é de completo descrédito internacional. Em assim sendo, atrair capital externo, como fez o Brasil ao longo de grande parte de sua história, exige que as taxas de retorno dos ativos domésticos sejam sistematicamente superiores ao de países com menor percepção de risco.
Observe então, leitor, que manter taxas de retorno mais elevadas diminui as opções de política econômica. Isto porque, juros elevados que atraem mais capital externo também funcionam como limitador dos investimentos domésticos, o que tem consequência direta sobre a redução do emprego. Menos investimentos causam também um menor crescimento da oferta, o que para não causar aumento da inflação deve ser compensado por produtos importados. Essa foi precisamente a situação brasileira ao longo de todo o período republicano que vai até 2003.
A restrição externa é um limitador poderoso da política econômica. Seja pelo canal financeiro, seja pelo canal de comércio, uma situação internacional ruim debilita – e às vezes aniquila – o uso da política econômica para fins contracíclicos, isto é, para fins de restauração de baixos níveis de desemprego. Não se pode ignorar, portanto, que a situação sui generis da economia internacional no período 2003-2007 garante ao Brasil uma redução sistemática dessa restrição externa.
Nesse período nós acumulamos reservas internacionais, um importante seguro contra a saída indiscriminada de capitais. Além disso, nós quase zeramos a dívida interna indexada a moedas estrangeiras e nos tornamos credores líquidos em termos de dívida externa. Aliado a isso, optamos por conduzir uma política econômica voltada para a conquista de credibilidade perante os agentes internacionais, o que facilita ainda mais a entrada de capitais para projetos de mais longa maturação. Construímos uma política econômica com metas de superávit fiscal primário, metas de inflação e câmbio flutuante. Isso permitiu que reduzíssemos em muitos graus o risco de se investir no país, simbolicamente representando pelo grau de investimento dado pelas agências de classificação de risco.
A interpretação tradicional, diante do acúmulo de credibilidade do período anterior, é que quando houve o crash no mercado de crédito internacional em setembro de 2008, a política econômica brasileira estava em melhores condições para lidar com a situação. De fato, ao invés de elevar os juros para atrair capital externo e, portanto, não enfrentar uma crise cambial, a autoridade monetária os reduziu, visando atuar de forma anticíclica sobre o nível de atividade doméstico. Além disso, dada a sustentabilidade da dívida pública naquele instante, foi possível reduzir o superávit primário e conceber vários incentivos fiscais para que as empresas continuassem a expandir a produção. A atual crise financeira é assim um marco para a política econômica brasileira. Ela divide um regime que buscava essencialmente credibilidade perante os agentes internacionais para outro que busca manter baixos os níveis de desemprego.
O risco, leitor, é andarmos para trás. Atualmente, o governo está satisfeito se três coisas acontecerem: I) a taxa de câmbio R$/USS se mantiver entre 2,00 e 2,10; II) a inflação ficar abaixo de 6,5%; III) o país crescer ao redor de 4%. Sabemos todos que isso não é possível em um ambiente de mercado de trabalho pressionado e dificuldades homéricas de se obterem ganhos de produtividade, via, por exemplo, consolidação e execução daquelas reformas estruturais que já estamos roucos de repetir. Desse modo, se insistirmos nesse modelo, desequilíbrios importantes estão por vir, seja em termos de inflação, seja em dificuldades de financiar o déficit em conta corrente.
No Comment! Be the first one.