Ao contrário do que se previa, o Brasil saiu-se bem do risco de explosão da dívida pública em 2002/2003, graças ao choque externo favorável de grandes dimensões que vem inundando o País de dólares e produzindo efeitos fortemente favoráveis sobre a economia, mesmo com os previsíveis subprodutos indesejáveis. Não fosse a crise de 2008, estaríamos seguramente rumando para maiores taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) com inflação baixa e sem precisar fazer grandes ajustes estruturais.
Só que, após a crise, o superávit primário da União parece ter caído para valores ao redor de 1,3% do PIB, resultado que, deixando de lado ajustes emergenciais de curto prazo, parece tender a se repetir. O governo tem um enorme volume de atrasados a pagar e se vê diante de altíssimos subsídios, pela compra maciça de dólares e pelas recentes operações do BNDES financiadas por títulos públicos. Assim, deveria: 1) Adotar medidas de ajuste de cunho estrutural do lado dos gastos, que, no novo quadro, não podem mais ser adiadas; 2) outra saída seria aumentar a carga tributária, como, por exemplo, recriando a CPMF, com todos os seus inconvenientes; e 3) sem algo de peso, poder-se-ia simplesmente esperar que o tempo passasse (quanto tempo?), rezando para que o superávit retornasse gradualmente aos níveis pré-crise.
O superávit deve ser aumentado, porque, sem ajuda do lado fiscal, o Banco Central (BC) terá de adotar medidas duras para combater o surto inflacionário que vivemos, incluindo nova subida da taxa de juros Selic, com óbvios subprodutos indesejáveis. Pode, também, adotar medidas específicas de desaquecimento da economia, como as de contenção de crédito que vêm sendo anunciadas, cujo poder de fogo no combate à inflação é pouco conhecido.
Aqui, diante da inundação crescente de dólares no País, o BC enfrenta sério dilema. Se sobe a Selic e mantém as compras maciças de divisas com vistas a suavizar o processo de queda da taxa de câmbio em curso, aumenta cada vez mais o custo fiscal decorrente dessa acumulação, além de atrair mais dólares e dar mais força ao mesmo processo. Caso não suba a Selic suficientemente, corre o risco de perder a batalha da inflação.
Outro motivo para concentrar esforços na recuperação do superávit é a volta dos temores relacionados com o risco de insolvência do setor público brasileiro. A razão entre a dívida pública líquida de ativos financeiros e o PIB (DL/PIB) vinha caindo seguidamente até novembro de 2008, quando chegou a 37,8% do PIB. Após a queda do superávit da União, subiu de volta para cerca de 40%. Nessas condições, e mantido o atual custo implícito da dívida líquida, seria necessário um superávit adicional da União ao redor de 0,7% do PIB para estabilizar DL/PIB nos níveis atuais, quase R$ 30 bilhões de ajuste.
Gastos, receita, PIB e superávits. Pelo padrão que se observa desde 2004 (e fora da fase crítica pós-crise), para um PIB que cresce de forma sustentável à taxa real de 4,5% ao ano, a despesa cresceria a 9% ao ano acima do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e a receita total, a taxas parecidas com essa. Antes da crise, essas taxas viabilizaram subidas contínuas do superávit primário da União, ao longo de cinco anos, que passou de 2,3% do PIB, em dezembro de 2003, para o máximo de 3,1% do PIB, em outubro de 2008, às vésperas da eclosão da crise por aqui. Será que isso vai ser novamente possível? Quanto tempo levaria para ganhar 0,7% do PIB? Os mercados esperariam pacientemente que isso ocorresse?
Mesmo sem contar com a CPMF, o forte crescimento da receita se explica basicamente por dois motivos. Primeiro, porque houve novas bases de incidência de impostos – como os ganhos de capital na aquisição de ações de empresas durante a fase de bonança 2003-2008 – ou porque setores que costumam pagar mais impostos cresceram acima da média. Outro motivo importante foi o forte crescimento das “demais receitas”, capitaneado, ao final, pelo aumento do item “dividendos”. Parece ter havido considerável antecipação de receitas que só ocorreriam nos próximos anos, dentro dos dois itens básicos da receita.
Nessas condições, cabe uma forte dúvida sobre a viabilidade de a receita continuar crescendo a taxas reais equivalentes ao dobro do crescimento sustentável do PIB.
Finalmente, os cortes anunciados há pouco pelo governo não ajudarão a apertar o torniquete, já que não foram adotadas quaisquer medidas de ajuste de cunho estrutural dos principais itens: Previdência, pessoal e assistência social. Os cortes visaram a corrigir os excessos costumeiros da lei orçamentária aprovada no Congresso, quando a receita é reestimada para cima e são postos gastos adicionais de interesse dos parlamentares, inevitáveis num orçamento tão comprimido como o nosso. Moral: o governo poderia, por exemplo, deixar a taxa de câmbio flutuar livremente e reduzir mais adiante a taxa de juros Selic, que provavelmente não precisaria ser tão alta. Isso levaria a maior crescimento do PIB e da arrecadação, sem necessidade de recriar a CPMF. Adicionalmente, poderia reformar de vez os gastos excessivos e ineficientes.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 11/04/2011
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