Dia 23 de abril, uma segunda-feira, às 23h30, mais um jornalista foi assassinado no Brasil. Décio Sá morreu com seis tiros num bar na cidade de São Luís. Tinha 42 anos e era repórter de “O Estado do Maranhão”. Foi o quarto profissional de imprensa assassinado no país em 2012, o que eleva o Brasil ao topo de um ranking macabro na América Latina.
Dois suspeitos de serem cúmplices do assassinato de Décio Sá estão presos, mas a impunidade não está afastada. Ao contrário. O histórico das investigações policiais não é positivo em geral. Quando o assunto é homicídio de jornalistas, é francamente negativo. Segundo um levantamento recente – que não leva em conta os casos de 2012 -, nos últimos 20 anos 70% desses assassinatos não foram esclarecidos. Contra a imprensa, o crime compensa. Traficantes de drogas, chefes de milícias e autoridades corruptas se revezam na lista de mandantes, mas a polícia não consegue encarcerá-los e a Justiça raramente chega a julgá-los.
O quadro é alarmante, nas palavras de Rupert Colville, porta-voz do Escritório da ONU para Direitos Humanos, com sede na Suíça. Na semana passada, Jamil Chade, correspondente deste jornal em Genebra, reportou a declaração de Colville: “Nós estamos alarmados com o fato de que mais um jornalista foi morto no Brasil neste ano. (…) Pedimos ao governo (brasileiro) para implementar imediatamente medidas de proteção para prevenir novos incidentes”.
Ele tem razão. Um país em que os repórteres são fuzilados dessa forma é um país em que o direito à informação está sendo sequestrado. Se esses crimes prosperam, a liberdade de imprensa reflui, obrigatoriamente. Com eles vem a autocensura, no mínimo. Para proteger a vida de seus funcionários os jornais passam a internalizar o medo. Não há como evitar. É o que vem acontecendo com várias redações jornalísticas no México.
Na quinta-feira passada, em palestra no encontro da Associação Mundial de Jornais (WAN-Ifra), em Santiago, no Chile, o jornalista mexicano Javier Garza, do diário El Siglo de Torreón, mostrou o que a guerra do tráfico produziu em seu país. Apenas em 2011, 6 mil pessoas foram assassinadas. Repórteres e editores sofrem ameaças diárias. Regularmente, os bandidos metralham com AK-47 a fachada de residências de jornalistas e com isso aterrorizam as famílias. Resultado: as redações deixam de cobrir e publicar tudo o que deveriam cobrir e publicar. Não é para menos. Na situação de insegurança absoluta em que vivem algumas cidades mexicanas, hoje, enviar equipes para fotografar o local onde acaba de acontecer um massacre pode representar risco de morte.
Em suma, se os jornais não podem cobrir, o cidadão não pode saber o que se passa em sua cidade, em seu país. Com impunidade garantida, os criminosos escapam ilesos, deixando no ar a perturbadora hipótese de que haveria um acumpliciamento entre autoridades inertes e bandidos sanguinários. As primeiras não fazem nada, os segundos atiram à vontade.
Foi exatamente esse o cenário que descreveu outra jornalista mexicana, Anabel Hernández, que também fez uma palestra em Santiago na semana que passou. Repórter investigativa, ganhadora do Prêmio Pluma de Oro pela Liberdade 2012, conferido pela Associação Mundial de Jornais, Anabel usou palavras fortes: “Hoje no México existe um estado criminal perfeito. E pensar isso, dizer isso, escrever isso é mais perigoso do que ser narcotraficante ou trabalhar para o narcotráfico”.
Voltemos, então, à nossa pergunta: por que matar jornalistas?
Se o Estado não cumpre seu dever de garantir o direito à vida e à segurança do povo, ele automaticamente sabota o direito da sociedade de ter acesso à informação. Em outras palavras: se o que vale é a lei da selva, não existem mais as premissas para que a instituição da imprensa sobreviva. Por isso a ONU tem razão de exigir de governos e das autoridades o esclarecimento e o julgamento dos crimes praticados contra jornalistas. O Estado é, sim, responsável pelo caos – um caos desinformativo, é bom frisar – a que estão submetidas muitas comunidades no México – e algumas famílias no Brasil.
Por esse ângulo, nós podemos enxergar com nitidez cristalina, quase como se fosse com lupa, os laços pelos quais a corrupção, a inoperância judicial, o tráfico de drogas e os bandos de extermínio se associam numa simbiose necessária. A todos esses polos da criminalidade interessa exercer o mando pela violência privatizada e ilegal. Para tanto a eles interessa também suprimir a imprensa livre. Coerentemente, dividem as tarefas: uns matam os repórteres, outros garantem a impunidade – pois a impunidade só é realmente viável quando a imprensa está acuada, intimidada, jurada de morte.
Poder Judiciário que não julga, polícia que não investiga, governadores que fingem que não é com eles, traficantes que subornam políticos, milícias que promovem massacres: todos são expoentes distintos de uma mesma máquina que vem minando o Estado de Direito e ameaçando a liberdade. O quadro piora ainda mais quando o poder governamental é mobilizado para prender jornalistas ou para levar jornais à falência. Foi o que tentou fazer, no início deste ano, o presidente do Equador, Rafael Correa, que depois se viu forçado a recuar.
Sem dúvida, há um discurso anti-imprensa, um discurso fanatizante, ganhando volume em nosso continente. Em nome do combate a erros de jornalistas – erros que, por vezes, são de fato lamentáveis -, esse discurso investe não mais contra erros, mas contra a própria instituição da imprensa livre, propondo cerceá-la de mil maneiras diferentes. Nasce daí um caldo de cultura que, demonizando os órgãos de informação, facilita ainda mais a rotina dos narcotraficantes e dos que matam jornalistas – que matam jornalistas para oprimir o público.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 03/05/2012
Uma coisa é ao discurso anti-imprensa que incide no jornalista investigador e comprometido, e esse ser morto por pistoleiros, latifundiarios e milicias, como existe nos grandes centros urbanos e no meio rural latinoamericano. A outra, totalmente diferente, é a o discurso anti-imprensa porque o jornalismo de grandes corporações promove golpes de estado (television, globo, toda imprensa pro-golpe em honduras etc); o extremo moralismo (record) ou mesmo factóides crimonosos e irresponsáveis (veja), essa que divulgava informações de carlinhos cachoeira. Querer misturar os dois fenomenos é pura picaretagem, já que um é um problema do jornalista que vai a campo e é tolido pelo que faz e outro é o das grandes empresas de comunicação que tomam com interesses privados o espaço da comunicação democrática e pública e por isso precisam ser em alguma medida controlados e responsabilizados por ações criminosas, posturas anti-democraticas e mentiras, todas notorias nos grandes meios no brasil