Por que não um modelo com mais conteúdo nacional, movido a etanol?
A presidente Dilma acredita que, com o aumento “extraordinário” de importação de carros, está em curso “uma tentativa de canibalização” do mercado brasileiro.
Não explicou o que entende por “canibalização”, mas ela mesma dá um exemplo de como e por que ocorrem as importações. A presidente circula em um Omega blindado, produzido pela General Motors na Austrália e importado pela GM brasileira.
Também se incluem na frota presidencial carros Ford Fusion, fabricados no México e importados pela mesma montadora. Entre os Fords, aliás, há um híbrido – movido a dois motores, um convencional, a gasolina, e outro elétrico. Trata-se da aposta da companhia para a era dos veículos mais amigáveis com o meio ambiente.
Daí, duas perguntas: 1) por que o Ômega? E, 2) por que não um veículo movido a etanol, a aposta ambiental brasileira?
Para a primeira questão, explica o Gabinete de Segurança Institucional (GSI): “(esse carro) atende, em melhores condições, os requisitos técnicos estabelecidos para garantir a segurança presidencial”. Acrescenta: “Tais requisitos não são preenchidos por nenhum produto de fabricação nacional.”
Ora, por que as montadoras aqui instaladas – que formam a indústria nacional protegida pelas medidas do governo – não fabricam esses carros de maior qualidade e conteúdo tecnológico?
Elas produzem aqui os modelos populares, básicos e alguns médios. Na Argentina, os médios, já de maior valor agregado. Os carrões são fabricados em diversos outros países, desenvolvidos, como Austrália e Alemanha, e mesmo emergentes, como o México, por exemplo, de onde podem ser importados para o Brasil livres de impostos, conforme o acordo firmado entre os dois países há dez anos.
Esse foi o arranjo que as multinacionais organizaram para sua produção global. Vai daí que as grandes importadoras de carros (e peças) são também as grandes produtoras nacionais.
Estariam essas montadoras canibalizando seu próprio mercado interno? Não faria lógica, não é mesmo? Elas importam os carros que não querem ou não conseguem produzir aqui com qualidade e preço internacional. Resumindo, a Ford mexicana é mais eficiente que a brasileira. Idem para a GM australiana em relação à local.
Cresceu no último ano a importação de carros chineses e coreanos de marcas sem fábricas no Brasil. Esses veículos impuseram forte concorrência em algumas faixas ocupadas pelas montadoras locais. Mas o volume dessas importações nem chega a arranhar o mercado brasileiro – 3,5 milhões de veículos/ano, o quarto ou quinto no mundo – muito menos canibalizar.
Do ponto de vista macro, não há como atender um mercado de 3,5 milhões preferencialmente com importações. As montadoras precisam se estabelecer e produzir aqui, o que estão fazendo. A questão é: o que vão fabricar? A que preço?
O regime automotivo anunciado nesta terça pela presidente exige que os carros aqui produzidos tenham mais conteúdo nacional, que as empresas gastem mais com engenharia e pesquisa, mas não exige que se fabriquem aqui os “carrões”. As montadoras (e o governo) sabem que, nas condições estruturais da economia brasileira, não haveria como cumprir essa regra.
A indústria local continua, pois, superprotegida. E o consumidor paga a conta. O imposto bem mais elevado cobrado sobre chineses e coreanos eleva seus preços e alivia a concorrência que faziam com básicos nacionais. As quotas sobre os importados do México reduzem a oferta e, pois, aumentam os preços.
Resultado: o carro local, que já é mais caro do que em qualquer outro lugar do mundo, tende a ficar mais caro ainda. E continuamos a importar os carrões, inclusive os coreanos, também mais caros.
Assim, quando a Presidência renovar sua frota de importados, também pagará mais caro – a menos, claro, que as montadoras façam algum tipo de gentileza, o que, aliás, não seria ético.
Mas, se o espírito é genuinamente nacionalista, se estamos sendo atacados por práticas predatórias estrangeiras, como Dilma e Mantega repetem todos os dias, por que a Presidência não nacionaliza sua frota? O último pacote reforçou a regra pela qual o governo, nas suas compras, deve dar preferência ao nacional mesmo quando este for até 25% mais caro que o importado.
Logo, vendam os Ômegas e Fusions e comprem os modelos com mais conteúdo nacional, todos movidos a etanol.
Não é provocação. Trata-se apenas de ilustrar o equívoco da política industrial. Suponha que o governo nacionalize mesmo toda sua frota, o que aconteceria? As autoridades, incluindo a presidente, circulariam em carros, digamos, mais modestos e menos seguros, e a indústria nacional continuaria produzindo… as mesmas carroças de sempre, quer dizer, os tais carros sem “os requisitos técnicos estabelecidos para garantir a segurança presidencial”. E, acrescentaríamos, sem o conforto que merecem as autoridades.
Fonte: O Globo, 05/04/2012
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