Qual é o problema de termos inflação acima da meta fixada pelo BC? E qual é a vantagem?
Meus 18 leitores sabem que sou obsessivo, característica que uso (obsessivamente, é claro) para justificar a insistência sobre certos temas. Um deles é a leniência com respeito à inflação, que parece ter dominado os responsáveis pela política econômica.
Ocorre que, durante uma das minhas diatribes habituais sobre o tema, um amigo jornalista me fez a seguinte pergunta que, acredito, está na mente de imensa maioria das pessoas: “E qual é o problema de termos a inflação acima da meta?”.
Na hora, minha herança judaica falou mais alto e não resisti a responder a pergunta com outra: “E qual é a vantagem de termos a inflação acima da meta?”.
Acredito que essas perguntas são o melhor ponto de partida para explicar essa obsessão.
De fato, ao conversar com interlocutores que não são economistas e às vezes com economistas também, parece haver uma noção de troca entre inflação e crescimento, ou seja, que a redução da inflação é custosa do ponto de vista do crescimento. Note-se que, logicamente, essa noção implica também que a inflação mais alta seria favorável ao crescimento.
O problema, contudo, é que a tese não encontra amparo na evidência disponível. À parte inflação muito elevada, que, por motivos vários, reduz o potencial de crescimento da economia, e episódios de deflação ao estilo japonês, taxas, digamos, “moderadas” de inflação não têm quaisquer efeitos sobre o crescimento de médio e longo prazo. Concretamente, a capacidade de crescimento de um país independe da inflação ser de 4,5%% ou de 6,5%.
Isso dito, não creio haver dúvida, particularmente para a parcela mais pobre da população, que uma taxa de inflação de 4,5% é preferível a uma de 6,5%. Assim sendo, respondendo à minha própria pergunta, não há vantagem alguma de termos a inflação acima da meta.
Por outro lado, cabe reconhecer que, ao menos no curto prazo, quando a inflação se encontra além da meta, o esforço de redução requer, durante algum tempo, que a economia opere abaixo do seu potencial, de modo a reduzir as pressões que surgem, em geral, no mercado de trabalho.
Por mais cruel que isso possa soar, o desemprego deve subir além do nível compatível com a inflação estável para moderar as demandas salariais (ou, de forma equivalente, a capacidade ociosa das empresas deve subir para reduzir seu poder de elevação de preços). Há, portanto, algum custo para desinflacionar a economia.
Por conta disso, BCs podem, dependendo da magnitude do desvio da inflação, escolher uma trajetória de convergência mais suave (por exemplo, como o BC fez em 2004/5), para evitar um custo que poderia ser considerado excessivo.
No entanto, convergência, mesmo mais suave, significa retorno à trajetória de metas e não a aceitação da inflação persistentemente acima dela. No primeiro caso, se o período de retorno não for demasiadamente longo, as expectativas se mantêm ancoradas e a desinflação ocorre com menor custo.
No segundo, que é um caso extremo de convergência muito lenta à meta, as expectativas tipicamente se descolarão desta, o que implica custos maiores para reduzir a inflação.
Entretanto, quando os custos de desinflação se elevam, BCs menos determinados acabam por abandonar seus esforços de convergência. Com isso, se tornam prisioneiros de um equilíbrio perverso: não reduzem a inflação porque o custo é alto e os agentes, sabendo disso, mantêm as expectativas acima da meta, elevando o custo de convergência. O que parecia ser um problema de curto prazo torna-se de longo prazo.
Voltamos assim à discussão inicial: temos apenas inflação mais alta, sem benefícios no que tange a crescimento.
Respondendo, pois, à pergunta que me foi feita, o custo da inflação acima da meta não se limita ao curto prazo, mas se estende ao risco, sempre presente, de terminarmos amarrados ao equilíbrio perverso, possibilidade que cortejamos com ardor crescente.
Fonte: Folha de S. Paulo, 29/02/2012
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