A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decide hoje se aceita a denúncia por corrupção passiva e obstrução de Justiça contra o senador Aécio Neves, derivada da delação da JBS.
Para quem já se esqueceu, trata-se daquele episódio em que Aécio foi flagrado numa conversa eivada de palavrões com o empresário Joesley Batista e combinou receber R$ 2 milhões em dinheiro vivo, depois entregues a seu primo, numa operação controlada da Polícia Federal.
A defesa de Aécio argumenta que, apesar de todos os palavrões e do teor nada republicano da conversa, o dinheiro não era propina, mas um empréstimo para Aécio poder pagar seus advogados. Afirma ainda que, como ele não fez nada em troca, não pode ser considerado corrupto.
Para facilitar a vida dele, o acordo com a JBS foi anulado pela Procuradoria-Geral da Justiça (PGR), depois que veio à tona o envolvimento do ex-procurador Marcello Miller com a defesa de Joesley.
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Miller era conhecido por ter negociado outras delações, como as de Delcídio Amaral (da qual derivaram dois outros inquéritos contra Aécio) e Nestor Cerveró. É acusado de ter trabalhado para Joesley enquanto ainda trabalhava na procuradoria e de tê-lo ajudado a obter os termos generosíssimos de sua delação, que isentaram os executivos da JBS de pagar por crimes confessados. Sua atuação levou à anulação do acordo (Joesley foi preso), mas não das provas colhidas na delação.
O caso de Aécio tem sido objeto de um vaivém incomum. Em maio passado, logo que as gravações de Joesley vieram à tona, o ministro Edson Fachin, então relator, determinou que ele fosse afastado do mandato no Senado. Depois encaminhou o caso ao ministro Marco Aurélio, por não ter conexão com os demais processos investigados. Marco Aurélio permitiu em junho que Aécio voltasse ao Senado.
Um novo pedido de afastamento, feito em julho pelo então procurador-geral Rodrigo Janot, foi acatado em setembro pela Primeira Turma, composta pelos ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Marco Aurélio, único que votou contra.
Numa sessão tumultuada no dia 11 de outubro, cuja decisão final dependeu de um voto extenso e confuso da ministra Cármen Lúcia, o plenário do STF decidiu por seis votos a cinco que juízes só poderm aplicar punições a parlamentares com aval da respectiva Casa Legislativa.
A intenção era evitar uma crise institucional maior entre o Judiciário e o Legislativo, que se preparava de modo autônomo para votar o caso de Aécio. No dia 17 de outubro, por 44 votos a 26, o plenário do Senado lhe restituiu o mandato. A Comissão de Ética do Senado também desistiu de investigá-lo. Nem os palavrões, nem o dinheiro vivo, nem o papo com Joesley configuraram, para os senadores, quebra de decoro parlamentar.
Os argumentos da defesa de Aécio são todos discutíveis. A anulação da delação da JBS não anula as provas colhidas nela, como determinam a lei e o próprio contrato de delação. Desde o escândalo do mensalão, é consenso que não é preciso haver uma contrapartida para configurar o crime de corrupção. Basta que haja o pedido espúrio ou só o interesse no corruptor na atividade pública do acusado.
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A Aécio, Joesley pede que o ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine (hoje preso e condenado pela Lava Jato) seja indicado à presidência da Vale, sob influência de Aécio. Este responde que a presidência já estava decidida, mas se mostra aberto a negociar cargos da diretoria. Caberá aos juízes decidir, mas é difícil negar que se trate de corrupção, quando a conversa está atrelada a uma mala de R$ 2 milhões.
Para além do linguajar chulo e do teor do papo com Joesley (por ambos, Aécio não se cansa de pedir desculpas), a questão central é: por que alguém pega um empréstimo de tal montante em dinheiro vivo? Quem carrega R$ 2 milhões em cédulas a não ser bandidos?
A defesa de Aécio tenta empurrar a responsabilidade para Joesley, mas o próprio Aécio responde a outro inquérito por lavagem de dinheiro. Sua maior esperança está depositada nas condições suspeitas e funestas em que foi obtida a delação da JBS, base da denúncia.
“A participação de Marcello Miller não compromete a vontade livre e consciente dos colaboradires de firmar as respectivas colaborações”, escreveu a procuradora-geral Raquel Dodge em memorial ao STF. “As imputações de crimes feitas a cada acusado baseiam-se em prova robusta, tais como áudios de gravação ambiental admitida por lei e pela jurisprudência do STF; e em áudios e vídeos coligidos em ações controladas autorizadas pelo STF.”
Tecnicamente, a decisão não é complexa: Aécio precisa virar réu. Politicamente, a conversa é outra. A Primeira Turma pode rever o entendimento do crime de corrupção e apontar um caminho para anular provas obtidas em delações, usando o caso para transmitir um recado tranquilizador aos políticos de Brasília (como o presidente Michel Temer e os demais acusados na delação da JBS). Ou pode cumprir a lei.
Fonte: “G1”, 17/04/2018