Assistimos recentemente ao colapso espetacular do controle parlamentar no país. Senão vejamos.
O PSDB passou 63 horas em fila na Assembleia Legislativa de São Paulo para evitar uma CPI sobre Paulo Preto. Como apenas cinco comissões desse tipo podem funcionar simultaneamente, a apresentação de múltiplos requerimentos para a instalação destas é tática recorrente de obstrução.
Em 2014, o relator da CPMI da Petrobras, Marcos Maia, não indiciou ninguém em seu relatório final, mesmo tratando-se de um dos maiores casos de corrupção da história. E mais: vários depoentes receberam o gabarito das respostas, preparado pela Secretaria de Relações Institucionais do governo, às questões que parlamentares aliados lhes fariam.
Mais importante, a lápide: Temer sobreviveu a duas denúncias da PGR na Câmara.
Sob o presidencialismo de coalizão, em seu modo normal de operação, o presidente conta com uma maioria estável que lhe garante certa imunidade quanto a desmandos, ao mesmo tempo que assegura a aprovação de sua agenda.
Quando o Executivo está enfraquecido, com baixíssima popularidade, devido a escândalos (de corrupção ou outros crimes) ou à crise econômica aguda, ele pode perder o controle da maioria.
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Não se trata aqui de nenhuma jabuticaba: a literatura de ciência política já demonstrou que sob o parlamentarismo —em que o gabinete é uma espécie de comitê executivo do Parlamento— ocorre a fusão dos Poderes Executivo e Legislativo, o que debilita os incentivos para o controle parlamentar do Executivo.
Maiorias parlamentares buscam evitar ou abafar escândalos no Executivo. Controlá-lo seria cortar na própria carne. Por sua vez, a impunidade cria incentivos para desmandos. Em linguagem técnica: abundam os problemas de risco moral (o incentivo a desvios quando se pode escapar ao controle).
Mas, quando os rótulos partidários são fortes, os partidos procuram evitar escândalos nas suas fileiras porque têm incentivo para mitigar os problemas conhecidos como seleção adversa —confira o monumental “Delegation and Accountability in Parliamentary Democracies” (delegação e responsabilização nas democracias parlamentares, Oxford University Press, 2003).
Sob o presidencialismo de coalizão brasileiro a lógica é “parlamentarizada”: as maiorias parlamentares também tornam-se cúmplices de desmandos dos presidentes (e os partidos, fracos, não controlam a corrupção de seus membros).
O déficit de controle que decorre dessa estrutura de incentivos engendra amplo protagonismo —e sobrecarga— para o Judiciário e o Ministério Público.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 25/03/2019