O Brasil chega este ano às eleições presidenciais de uma forma bastante peculiar. Temas que historicamente mobilizaram debates são de importância bem reduzida neste momento. Cresci à sombra da dívida externa e da inflação, dois problemas hoje basicamente superados. Os juros da dívida pública, quando descontada a inflação, estão em um dígito. A autossuficiência no petróleo é nossa, não estamos com uma moeda desvalorizada e empresas brasileiras começam a se internacionalizar.
Na superfície, parece que está tudo às mil maravilhas. Mas esse clima – cultuado pelos governistas e seus porta-vozes na mídia e outras instituições – apenas mostra que o debate não se atualizou; infelizmente, se esvaziou num ufanismo sem sentido que lembra o clássico título de Afonso Celso, o “Por que me ufano de meu país”. Na linguagem de gerenciamento de tempo: se estamos perto de resolver o urgente, não atacamos o importante na agenda de prioridades do país. Temo que o Brasil esteja vivendo uma crise de arrogância igual à que a Argentina sofreu no início do século passado. A diferença é que, em PIB per capita e outros indicadores como alfabetização, a Argentina chegou de fato a ser rica. E rolou ladeira abaixo graças a uma combinação da cultura de saquear o estado para dividi-lo com os amigos e escolhas intervencionistas na economia.
Afonso Celso citava vários “motivos” da superioridade brasileira. Podia ser a beleza de sua floresta virgem ou a baía do Rio de Janeiro, as riquezas naturais, as vitórias em guerras, ou mesmo as glórias a serem colhidas no futuro. O futuro do Brasil é brilhante e o passado é exemplar, na escrita deste que foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. O autor chegava ao ponto de dizer que não devíamos nem mesmo nos arrepender da escravidão, pois quase todos os outros povos a praticaram e nenhum (segundo ele) lhe deu uma solução tão boa quanto o nosso. Em vários pontos lembra o Defendendo o indefensável, de Walter Block, só que para uma ideologia mistificadora do Brasil.
Nem o Brasil do princípio do século passado era a maravilha que Afonso Celso pintava, nem o atual. É interessante que uma importante agenda de reformas para o Brasil tenha sido escrita por quem viveu a experiência dos dois países: o economista Fábio Giambiagi, nascido no Brasil, mas de família argentina. No seu Brasil: raízes do atraso – paternalismo versus produtividade, ele lista o que chama de “as dez vacas sagradas que acorrentam o país”. Lançada em 2007, a obra é um misto de recomendações de políticas públicas para o dia a dia com questões de fundo que nos prendem ao atraso. E, indo de vaca sagrada a vaca sagrada, a sensação é de que o Brasil está ajudando o feitor a amarrar melhor as travas, de forma que depois não tenhamos como tirá-las. Atuando dessa forma, nos acorrentamos ao passado, porque o passado é muito benéfico para os privilegiados pelo status quo, que não são apenas empresários que gravitam no poder, mas também os funcionários públicos com estabilidade e privilégios dos quais não goza (e nem deveria) o restante do mercado de trabalho.
No fundo, como Giambiagi identifica num dos capítulos finais, cultua-se no Brasil um espírito anticapitalista, alheio à tomada de risco, à valorização do empreendedorismo. Bom mesmo, no Brasil, é o cargo público, é uma bolsa-qualquer-coisa, uma aposentadoria precoce, uma tarifa protecionista. Isso, simplesmente não é parte do mal, mas o mal que está vencendo a outra parte que trabalha. Como resume muito bem Giambiagi: “O problema é que o outro lado do Brasil – disciplinado, pujante, inovador e disposto a vencer – está perdendo a briga distributiva – e está sendo sufocado por um modelo que combina um Estado inchado com uma carga tributária muito onerosa. Ao invés de o Estado passar ao cidadão a ideia de que ‘quem se esforça, vence’, a mensagem subliminar das suas políticas é ‘venha a mim que eu vou te proteger’. Para o espírito inovador que um país idealmente deveria ter, isso é um massacre”, escreve o economista. É por isso que, em qualquer banca no centro das principais cidades deste país, há milhares de publicações com dicas e aulas para passar em concurso – qualquer que seja. Já outras para incentivar a abrir empresas e ser um executivo de sucesso, o leitor terá que procurar muito mais. Se achar.
O clima de ufanismo não é algo que surge agora pela primeira vez na história deste país. Nem mesmo as hostilidades em relação aos críticos, como a que sofria um contemporâneo de Afonso Celso, o jornalista e escritor Lima Barreto. O Brasil está precisando mais do espírito crítico de Lima Barreto e seu Bruzundangas do que o otimismo ingênuo de Afonso Celso e “Por que me ufano do meu país”.
Publicado em “OrdemLivre.org”
Renato,
é importante a crítica, porém o seu artigo é mais um elogio à crítica do que uma crítica propriamente dita.
Diga fatos concretos, problemas concretos que deveriam estar sendo resolvidos e que não estão. O Brasil é cheio deles.
Tudo o que você faz é propagandear o mito do estado sufocante e da carga tributária extorsiva. A carga tributária brasileira não é extorsiva. 35% são perfeitamente normais.
Saudações,
Emilio
Renato,
quanto à pretensa argumentação de que o Estado brasileiro protege os necessitados, olhe só um relatório da ONU feito no ano passado:
http://www6.ufrgs.br/pgdr/nesan/arquivos/A-HRC-13-33-Add6_Brazil_Port.pdf
O parágrafo 36 mostra exatamente o contrário: a tributação brasileira é mais extorsiva para os mais pobres, e extremamente leve para os mais ricos. Não é o que se esperaria de um Estado que impede os empreendedores e protege os pobres, não é mesmo? É um relatório da ONU, não é uma viúva do comunismo falando.
Quanto à prentensa Bolsa-qualquer-coisa, a opinião dele é que ter feito a desnutrição infantil cair 73%, e a mortalidade infantil cair 45% é uma vitória do programa. É interessante que você vê isso como proteção a quem não merece.
Veja a conclusão do relatório no parágrafo 36: os impostos sobre patrimônio e propriedade deveriam ser aumentados no país.
A quem interessa esse mito de Estado sufocante e protetor de quem não merece? A quem não precisa do Estado. Quem não precisa do Estado? Quem você está defendendo. Quem você está defendendo? Seja claro. Defender interesses não explícitos atrás de uma retórica inflamada sobre um tema delicado não é nada ético. Afinal, ninguém gosta de pagar impostos.
Saudações,
Emilio