Qualquer analista que tenha mantido alguma conexão com a realidade já percebeu que o tripé econômico adotado a partir de 1999 não mais existe.
Fingir que a fixação da taxa de câmbio, a incapacidade de atingir a meta para o superavit primário -apesar do volume extraordinário de receitas de dividendos- e a perda pelo terceiro ano consecutivo da meta de inflação (com mais duas perdas contratadas para 2013 e 2014) sejam apenas “pragmatismo” na operação do tripé revela um cinismo atroz, ou apenas a incapacidade de perceber que o ambiente econômico mudou, e não para melhor.
A própria relutância em reconhecer o abandono do esquema de política econômica já reflete certo desconforto. De fato, se houvesse uma alternativa superior, não veríamos tantos dos antigos opositores do tripé insistindo que ele está, sim, mantido.
Na verdade, a questão central quanto à escolha do modelo de política diz respeito ao regime cambial, isto é, se a taxa de câmbio se ajusta às forças de mercado ou se é, de alguma forma, administrada.
Países que adotam regimes de câmbio administrado em geral o fazem por duas razões: ou são economias com um grande volume de comércio internacional ou têm dificuldades em controlar a inflação.
Um exemplo do primeiro caso é a adoção do euro. As economias europeias, seja pela proximidade geográfica, seja pelo processo de integração no pós-guerra, caracterizam-se por intensa atividade comercial; sob tais circunstâncias, a taxa de câmbio fixa facilita as trocas, permitindo maior especialização e produtividade. Não por acaso, sempre que possível esses países tentaram manter taxas de câmbio fixas entre si, com fracassos espetaculares ao longo do caminho.
Já a Argentina de 1991 e o Equador de hoje representam os casos de países cuja incapacidade de lidar com o problema inflacionário acabou desaguando na “importação” da política monetária dos Estados Unidos, por meio da adoção do dólar.
O Brasil não se enquadra nessas alternativas. Do ponto de vista do comércio internacional, somos um país relativamente fechado e com um componente considerável de commodities em nossas exportações. Já no que diz respeito à inflação, nossa experiência de poucos anos atrás mostra que um Banco Central resoluto tem plena capacidade de mantê-la controlada.
Adicionalmente, nos últimos anos o país se livrou das dívidas em moeda estrangeira e, com isso, dos riscos financeiros associados à flutuação da moeda, isto é, da possibilidade de a depreciação cambial levar à quebra de empresas endividadas no exterior.
Por esses motivos, deve ficar claro que o regime de câmbio flutuante é o que melhor serve ao país. Em caso de choques, como alterações em preços de commodities, ou nas condições de financiamento externo, a taxa de câmbio se ajusta, isolando, em grande medida, os efeitos desses choques sobre atividade e preços domésticos.
A decorrência lógica de tal regime cambial é a necessidade do Banco Central de se dedicar ao controle inflacionário, no caso pela adoção de um sistema de metas para a inflação, uma vez que não se pode contar com a política monetária de outros países para resolver o problema.
Dados os dois primeiros componentes, segue-se que o Tesouro deve dar as condições para que o Banco Central exerça seu mandato, seja garantindo que a dívida pública se mantenha estável, sem o que nenhuma estratégia anti-inflacionária é crível, seja auxiliando o controle da demanda interna.
Isso dito, o tripé é também uma metáfora feliz, pois sem uma das pernas a estrutura toda se torna instável. No caso, perdemos duas, ao fixar a taxa de câmbio e ao permitir que o gasto público crescesse de forma a inviabilizar a meta fiscal, o que já comprometeria o controle inflacionário mesmo se o Banco Central estivesse comprometido com a sua meta.
Resta tentar segurar a inflação atuando diretamente sobre os preços. Nunca funcionou, nem para o imperador Diocleciano, mas é a estratégia que sobrou.
Fonte: Folha de S. Paulo, 14/11/2012
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