O colégio eleitoral americano é uma espécie de relíquia institucional. Os motivos que levaram a sua adoção são desconhecidos por muitos, e as razões que explicam sua permanência também.
E isso malgrado o fato de que sua ineficiência é patente e sua abolição contar com maiorias superiores a 80% do eleitorado. Mas o paradoxo tem explicação institucional.
E não é para menos: como é possível que o candidato que tenha tido mais votos nas eleições tenha sido preterido em favor do segundo lugar, como em 1876, 1888, 2000 e 2016.
Em 2016, Hillary Clinton obteve 2% a mais de votos populares que Trump. A desproporcionalidade também favorece candidatos que ganham no voto popular e no colégio eleitoral, como Obama, em 2012, que obteve 11% a mais neste último, em relação ao primeiro.
Os pais fundadores dos EUA se depararam com uma tarefa nunca tentada anteriormente: escolher o principal mandatário em um regime sem precedentes históricos (presidencialismo). E a resposta veio na forma de uma solução açodada.
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Como desconfiavam do voto popular, por sua imprevisibilidade, e do Senado, por sua feição aristocrática, delegaram a escolha para eleitores selecionados pelos estados, alguns dos quais atribuíram a seus legislativos a escolha enquanto outros optaram pelo voto popular.
Essa escolha, no entanto, ignorava o impacto que a criação dos partidos políticos disciplinados teria sobre o sistema.
A regra “vencedor leva tudo” faz com que a escolha dos eleitores determine a coloração partidária do colégio eleitoral, causa principal das distorções.
Há também outros problemas que resultam do fato de que o número de delegados (soma de senadores e deputados) não é proporcional à população, o que favorece os estados pequenos.
O que impede a mudança considerando que a abolição do colégio eleitoral conta com maiorias superiores a 80% do eleitorado? Já foram apresentadas mais de 700 emendas constitucionais com esse objetivo.
Em 1989, a proposta foi aprovada na House of Representatives por 83% dos votos, mas obstruída por um filibuster (parlamentar que obstrui votação no Senado), cuja derrubada exigiria maioria de 60%. Mesmo que passe essa etapa, quórum de 2/3 para emendas dá poder de vetos a senadores. “O Senado é o cemitério das emendas constitucionais pela abolição do colégio eleitoral”, disse Robert Dahl (1915-2014).
Sem emenda constitucional, uma solução possível seria a aprovação de regras estaduais introduzindo a proporcionalidade entre número de delegados e voto por candidato no estado. Isso exigiria forte mobilização da opinião pública.
Fica a questão: que evento pode deflagrá-la?
Fonte: “Folha de São Paulo”, 16/3/2020