O dia amanheceu esplêndido. Havia brisa soprando pelo imenso campo plano, todo coberto de verde, tatuado pelas manchas mais escuras da floresta preservada, margeando o rio, aliás chamado Verde. Ainda não fazia calor, mas havia a promessa para mais tarde, quando a impressionante luminosidade nos lembraria a latitude em que nos encontrávamos e ajudaria a entender a produção agrícola daquele lugar um imenso tabuleiro, em que se desenvolve uma revolução brasileira.
Talvez você não possa ir tão cedo a Lucas do Rio Verde. Fica a menos de 400 quilômetros ao norte de Cuiabá, ponto em que o bioma do Cerrado começa a se converter em Amazônia. A conjugação generosa de sol, água, relevo, tecnologias impulsionadas por pesquisas de campo e, principalmente, o elemento humano o brasileiro que não desiste nunca faz acontecer um milagre agroeconômico, num ambiente em que a pobreza extrema e as misérias urbanas não têm vez. Lá encontramos centros de compras, hospital bem equipado, moda e carros do ano. E também a riqueza que emerge do trabalho e vira comida no prato do paulistano, do carioca, do cantonês e do nova-iorquino.
Poderíamos trocar o nome do lugar privilegiado por Sorriso, Sinop, Nova Mutum ou Sapezal, só para enumerar alguns polos de referência. Como se trata de uma região distante mais de 2.000 quilômetros dos portos de escoamento do Centro-Sul do país, é preciso construir saídas para essa produção pelos portos da Região Norte. São, por enquanto, 18 milhões de toneladas de soja e cerca de 8 milhões de toneladas de milho produzidas anualmente pelo Estado de Mato Grosso. Isso era perto de zero apenas 30 anos atrás. O Estado produzirá mais na próxima década, ampliando as áreas de irrigação e convertendo milhões de hectares de pastagens em campos de lavoura, com desmatamento mínimo.
Essa revolução acontece sem a infraestrutura compatível com sua força produtiva. O Brasil governamental, do desperdício e da malandragem, não tem dado conta de acompanhar o progresso dos particulares. Mas parece que querem virar o jogo. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) levou seu circo da Ferrovia do Centro-Oeste a Lucas para fazer a apresentação do futuro traçado de trilhos que amarrará todo o arco de produção ao norte e noroeste do país. O eixo central é a Ferrovia Norte-Sul. É isso mesmo, a mesma que Sarney anunciou nos anos 80. De acordo com os planos, ela deverá deslocar toda a produção à volta de Goiânia-Anápolis, passando por Tocantins e Maranhão, até Belém ou Itaqui. Trata-se de uma espinha dorsal ferroviária, de quase 2.000 quilômetros, cruzando o país de modo longitudinal.
Se você pegar o mapa da América do Sul, verá que Mato Grosso é o meio do caminho, de leste a oeste. Aí entra a importância do eixo latitudinal, percorrido pela ferrovia do Centro-Oeste, cujo traçado deverá ir de um entroncamento da Norte-Sul (Campinorte) a Vilhena, em Rondônia. Lucas do Rio Verde está nessa linha, 1.000 quilômetros a oeste da Norte-Sul. Se concluída, essa ferrovia eliminará milhões de toneladas de poluentes atmosféricos, aumentará a renda do produtor por economizar o frete (que hoje come quase 40% do preço dos produtos vendidos), poupará vidas e poderá, num cenário otimista, trazer ocupação ecologicamente correta nos novos campos a suas margens.
Nós, urbanoides, estamos acostumados a pensar que comida se produz no supermercado. Exigimos conforto crescente para nossa vida. Os municípios disputam a tapa os royalties do pré-sal, que nem saiu do buraco. Mas quem paga a conta no final? Neste ano, prenuncia-se que nossa balança comercial ficará próxima de zero. Ela chegaria a US$ 50 bilhões no negativo, não fosse pelo saldo positivo, dessa mesma magnitude, produzido pelo agronegócio brasileiro.
Não são só os metrôs urbanos que importam. É preciso construir logo o metrô da soja para podermos continuar sustentando o conforto em casa.
Fonte: Revista “Época” – 29/03/2010
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