Convencionou-se, nas análises políticas, que determinadas medidas só podem ser aprovadas no início de um governo, na fase da chamada “lua de mel” do(a) candidato(a) eleito(a) com o eleitorado, logo depois da eleição. No caso da Previdência Social, isso valeu para casos em que houve embates políticos grandes, tanto no governo FHC como no governo Lula, uma vez que havia resistências políticas importantes. A análise pode não ser necessariamente correta, porém, se o tema for abordado como uma questão de Estado.
Dito de outra forma: no contexto de um entendimento político, há espaço para aprovar medidas fundamentais em outra época que não o início de mandato. Uma nova reforma da Previdência Social deveria ser um desses casos.
Tenho, nestas páginas, defendido mais de uma vez a importância de o País caminhar no sentido de se ajustar às mudanças de composição etária que virão pela frente. Embora o assunto seja espinhoso e a numerologia possa assustar alguns leitores, há algo que todos podem entender: a demografia não irá se adaptar à Constituição, portanto a Constituição terá de se adaptar à demografia. Em 1988, os constituintes edificaram um arcabouço de dispositivos interessante para cada pessoa individualmente considerada, mas inconsistente do ponto de vista coletivo, ignorando olimpicamente que as sociedades envelhecem.
Como, daí em diante, em média, as pessoas passaram a viver mais e, ao mesmo tempo, as mulheres brasileiras passaram a ter menos filhos – significando que no futuro haverá menos trabalhadores para sustentar o pagamento dos aposentados -, a “escolha de Sofia” colocada para a sociedade é relativamente simples de entender: ou aquele pacto de 1988 é revisto ou as mudanças demográficas tornarão a Previdência cada vez mais custosa para a sociedade – que estará pagando com um bolso o que recebe no outro.
Há quem acredite que o crescimento resolva tudo e, de fato, se o País crescer 5% ao ano por 25 anos ou 30 anos, podemos estar dispensados de fazer uma reforma, mas tal atitude equivale a que uma empresa adote um plano de investimentos financiado a juros elevados acreditando que a demanda vai “bombar” durante dez anos e lhe permitir arcar com o pagamento das prestações do empréstimo. Numa empresa, esse comportamento é muito bem caracterizado: chama-se “gestão temerária”.
Com quase 20 anos de debates sobre o tema, aprendi que a emoção muitas vezes faz as pessoas terem reações exacerbadas e por isso, agora, para mostrar quão inadequadas são as regras de aposentadoria no Brasil, não falo mais dos outros e cito apenas situações que me são próximas. Para entender como o Brasil desperdiça seus recursos, basta dizer que, se em vez de ser Fabio eu me chamasse Fabiana e se meus pais desde os 18 anos tivessem pago o carnê de autônomo do INSS, hoje, aos 49 anos e sendo parte da elite privilegiada do País, eu já poderia estar usufruindo da aposentadoria. Vamos ser francos: é evidente que cada indivíduo tem de aproveitar as possibilidades que a legislação lhe permite, mas do ponto de vista do País como um todo essa situação não faz o menor sentido. Uma economia que comporta tais distorções está jogando recursos públicos pela janela.
Penso que a presidente Dilma Rousseff deveria liderar uma articulação para propor ao País o que se poderia denominar de “pacto previdenciário”. Esse pacto se basearia num conjunto de princípios, aqui listados:
o País deve se preparar, a partir de agora, para a realidade a ser enfrentada daqui a 3 décadas ou 4 décadas, quando as pessoas viverão por mais tempo que hoje;
em caso de reforma, haverá um pedido de carência de 2 anos a 3 anos entre a aprovação da mudança e a sua vigência efetiva, para não afetar aqueles que estiverem perto da aposentadoria;
não haverá mudança para aqueles que já estiverem aposentados;
aqueles que vierem a ingressar no mercado de trabalho a partir da aprovação da reforma serão regidos por regras de aposentadoria bem mais rígidas que as atuais; e
no caso daqueles que já estiverem na ativa, será adotada uma regra de transição que fará com que as regras de aposentadoria sejam tão mais próximas da regra para os futuros entrantes quanto menos anos de contribuição tiver o indivíduo; e tão mais próximas da regra atual quanto maior tiver sido o tempo de contribuição já transcorrido.
Trata-se de princípios inteiramente defensáveis, baseados nas boas práticas observadas no resto do mundo e que qualquer pessoa pode compreender e respeitar. O Brasil estará dando mostras de uma espantosa mediocridade política, se não for capaz de ter um entendimento mínimo entre os diversos partidos acerca destes pontos que, em vários países do mundo, são objeto de um amplo consenso partidário.
Não há motivos para que o País não seja capaz de construir um pacto em torno dessas ideias que obtenha apoio dos principais candidatos à Presidência da República em 2014. Não há por que esperar até 2015 para tratar do assunto.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 19/09/2011
Bom dia,
Sou estudante de Ciências Econômicas, e passei somente agora a conhecer esse canal de posts publicados pelo senhor,
confesso estar indignado por te lo conhecido com tanta demora, esta me ajundando e muito com o meu artigo de conclusão de curso, que traz o tema: Previdência Social.
Estarei sempre visitando e comentando os assuntos aqui tratados.