O governo Temer praticamente acabou. Entre outras coisas, faltou: 1) trabalhar mais pelo investimento; 2) descentralizar o teto dos gastos e 3) ajustar a Previdência pública.
Se fizermos um gráfico com os dados do PIB mensal, depois dos dois anos da queda seguida que se iniciou no primeiro trimestre de 2014, o índice de março de 2016 fica parado até maio de 2017, com alguma oscilação no meio do caminho. Ou seja, em que pese o risco Brasil só ter caído — demonstrando o otimismo dos investidores externos conosco —, a demanda mundial ido bem obrigado, a inflação nunca ter sido tão baixa, e a taxa de juros Selic ter caído sistematicamente até agora, há 14 meses estamos totalmente estagnados, sem que se possa afirmar que esse é o fundo do poço. Boa parte dessa evolução coincide com a da taxa de investimento, que explica, assim, a maior recessão de nossa história. Se o crescimento não reage via forças normais de mercado, o governo deveria ter perseguido o objetivo central de destravar o investimento dentro e fora do seu próprio ambiente, noite e dia.
RAUL VELLOSO: “COMO SÃO DECIDIDOS OS CORTES DO ORÇAMENTO?”
EM BUSCA DO VERDADEIRO NOVO, POR RAUL VELLOSO
A primeira parte dessa tarefa é focar em infraestrutura, a prioridade mais óbvia do país. Ao que alguém poderia reagir: Não foi criado o PPI, entregue inicialmente a um político bem próximo do presidente? Fora do lugar próprio (a rigor deveria estar no pouco operante Ministério do Planejamento) o problema é que no PPI só se trata de coisas com impacto a longo prazo, basicamente para evitar atritos com os órgãos de fiscalização. Por que não chamá-los para uma conversa franca, aberta à sociedade, para combinar quem faz o que? Um não deveria executar e o outro só fiscalizar? O próprio ministro Bruno Dantas, do TCU, propôs um “pacto” para acertar essas coisas, mas nada se fez.
Sem dinheiro no orçamento e para ter efeito rápido, como têm dito o ex-ministro dos Transportes César Borges e eu, trata-se de estender o prazo da concessão da Via Dutra, onde há obras urgentes pendentes de autorização.
Além disso, é preciso reestruturar as concessões rodoviárias da safra de 2013, abaladas pela forte recessão, para as quais o governo, com medo do TCU, só admite a solução errada de relicitar, o que transferiria seus efeitos para daqui a não sei quantos anos, e ainda assim com pesados prejuízos. Fazer o que precisa ser feito poderia implicar investimentos imediatos de quase R$ 20 bilhões, principalmente no Rio, onde a recessão é mais forte.
Outra parte a atacar seria a correção da política fiscal capenga em vigor, fator que explica boa parte da elevada incerteza reinante. Isso poderia injetar mais demanda na economia e desanuviar o ambiente para os investimentos privados.
Na União, sem medidas complementares de ajuste do gasto obrigatório, que predomina no orçamento, a PEC do Teto acabará contribuindo quase nada para clarear as coisas no curto prazo. A maioria sabe que é só questão de tempo para a PEC “micar”. Num quadro de recessão aguda e da não aprovação de qualquer ajuste desse tipo de gasto, o governo prioriza o cumprimento da meta irrealista de um déficit primário de R$ 139 bilhões, se esquecendo de que, apesar das dificuldades, o crescimento do gasto tende a ficar abaixo da inflação pelo menos este ano, e que a cobrança do mercado financeiro não é tão forte assim. E aí passou a propor aumento de tributação erraticamente, algo obviamente inadequado para o momento atual. Nesse sentido, bastaria dizer que o teto é a política central, e que o primário voltaria à meta quando a recessão cedesse.
Na verdade, a PEC do Teto teria outro valor, se fosse aplicada setor a setor. Dessa forma, serviria para conter os gastos dos segmentos que venho denominando de “donos do orçamento”: Pessoal Ativo, Previdência Pública, Poderes Autônomos (Legislativo, Judiciário, MPU e TCU), Saúde e Educação, onde só há gasto obrigatório. Só que esses são exatamente os que, na prática, ficaram de fora do alcance dessa política. Como o teto vale para o total e não para as partes, o ajuste é feito todo no investimento, onde justamente a prioridade deveria estar.
Além de priorizar o investimento e refazer a PEC do Teto, o segredo seria focar na Previdência pública, onde estão os maiores privilégios, e fazer o que a Constituição manda, ou seja, zerar os passivos atuariais via criação de fundos de recebíveis e aumento de contribuições, inclusive patronais, equacionando esse item à parte do Orçamento. Como nenhum dos setores acima paga contribuição patronal ou a conta de seus próprios aposentados, uma nova emenda de teto com incidência setorial poderia exigir que cada setor arcasse, dentro do seu quinhão — que seria fixo em termos reais — com pelo menos parte desses gastos até atingir o total. Essa é a reforma mínima que tem de ser tentada agora, em conjunto, se der, com uma mudança nas regras da Previdência focada apenas nos servidores públicos, inclusive militares.
Algo análogo deveria ser feito nos estados e municípios, onde os erros são os mesmos, mas o limite desta coluna me impede de detalhar.
Fonte: “O Globo”, 14/08/2017
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