Há forte consenso na comunidade empresarial em relação à necessidade de enxugamento do Estado, reformas (Previdência, tributária) e maior integração do país nas cadeias globais de valor.
Mas, assim que Paulo Guedes anunciou cortes nos subsídios e abertura econômica, diversos grupos já se insurgiram contra ele com sonoros “OK, mas não no meu quintal”.
Visões contraditórias em relação a liberalizar versus proteger surgem até mesmo em setores que ganharam produtividade e se internacionalizaram, a ponto de suplantar concorrentes que subsidiam a sua produção.
Tal é o caso do agronegócio, que, em 2018, exportou seis vezes mais (US$ 102 bilhões) do que importou (US$ 14 bilhões) e que teria muito mais a ganhar com abertura e integração do que com fechamento e proteção.
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Por exemplo, nas proteínas animais o Brasil quer ampliar o acesso internacional das carnes de bovinos, aves e suínos, mas não abre mão de proteções sobre lácteos e alguns pescados.
O setor sucroenergético quer reduzir o protecionismo global no açúcar, mas também proteger o etanol contra a concorrência dos EUA.
Queremos abrir o mercado mundial de milho, mas proteger o trigo nacional. Nas frutas, buscamos acesso para uvas, mangas e melão, mas protegemos peras, maçãs, bananas e coco. Até no café, no cacau e na borracha, produtos de tradição histórica, vemos pressões por proteção.
Sempre haverá justificativas para proteções e subsídios aqui e acolá. Não cabe aqui discuti-las, até porque essa é a prática dominante desde o império.
Mas estou convencido de que devemos aproveitar os novos ventos liberais propostos por Guedes para fazer reformas que ampliem a nossa inserção internacional, em vez de repetir a mesma toada protecionista que nos isolou do mundo.
Ocupamos o 130º lugar mundial em “grau de abertura da economia” e o 128º lugar em “facilidade de fazer negócios”. Restringimos a entrada de bens, serviços, capitais e pessoas.
Não por acaso, desde 1980, quando se acelera a globalização, o Brasil cresce sistematicamente abaixo da média da economia mundial.
Deveríamos sinalizar claramente para o mundo que vamos iniciar um novo ciclo de abertura da economia brasileira (o último ocorreu nos anos 1990), que será marcado pela redução progressiva das tarifas aplicadas pelo país, porém mantendo os tetos tarifários consolidados na OMC.
Ato contínuo, iniciaríamos negociações com nossos principais parceiros comerciais buscando contrapartidas e compensações em todas as áreas da política comercial: acesso a mercados no exterior, convergência regulatória, acordos preferenciais de comércio e investimentos, entre outros. Ao mesmo tempo, o governo apoiaria ajustes internos dos setores menos competitivos.
Um exemplo ilustrativo é o setor leiteiro, que na semana passada foi objeto de embate entre os ministérios da Economia e da Agricultura, terminando com a elevação da tarifa do leite em pó para 42,8%.
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Na minha opinião, em vez de fixar uma proteção perene contra importações, melhor seria paulatinamente substituí-la por políticas que, de fato, gerassem aumentos de produtividade e premiassem a qualidade do leite produzido, duas áreas em que estamos mal na fita. O que conta no desenvolvimento não é o que se produz, mas como se produz.
Já passou da hora de avançarmos no “desmame” dos subsídios dirigidos e na abertura econômica. Para tanto, o caminho inteligente seria que essa transformação fosse acompanhada por contrapartidas recíprocas de nossos parceiros comerciais e ajustes nos setores menos competitivos, de forma progressiva, mas inexorável.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 16/02/2019