Diante dos protestos no Chile, do retorno do populismo de esquerda na Argentina e de outras manifestações um pouco mais distantes, no Líbano e em Hong Kong, o Congresso brasileiro oportunamente resolveu propor uma agenda social.
Coordenada pela deputada Tabata Amaral, a agenda se propõe a tratar do combate à pobreza, da geração de renda e de ações em setores como educação. Foi uma excelente sacada política, uma vez que serve como contraponto ao pacote fiscal e à reforma administrativa recém-apresentados pelo governo.
O Congresso, sob a liderança de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, assumiu a posição de guardião da estabilidade política e econômica, disputando com o governo o protagonismo das reformas. Enquanto o Executivo não encaminhava a reforma tributária, já estava sob discussão uma proposta alternativa na Câmara e outra no Senado.
O mesmo aconteceu com a PEC dos Gatilhos, que cortará despesas obrigatórias. O governo deveria ser o maior interessado em vê-la aprovada, já que pode incorrer em crime de responsabilidade fiscal caso descumpra as regras fiscais. Com o atraso do envio da proposta da Fazenda, Maia promete aprovar, ainda neste ano, a PEC do deputado Pedro Paulo, que trata do mesmo tema.
A desarticulação política não impede que avancemos, mas o Congresso inevitavelmente cobra seu preço. Basta nos lembrarmos da PEC do Orçamento Impositivo, aprovada em julho, que permite aos parlamentares terem muito mais poder decisório sobre o Orçamento.
Nada mais inteligente do que escolher Tabata como símbolo dessa pauta. Suspensa pelo PDT por votar a favor da reforma da Previdência, aguarda o julgamento sobre sua expulsão. Tabata se autointitula progressista e encarna a figura da esquerda responsável.
Aluno de escola pública, recebeu bolsa para estudar em Harvard e foi eleita com a pauta de redução das desigualdades sociais.
O conteúdo de sua agenda é o que importa. Na semana passada, Tabata falou em dar livre acesso aos recursos do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) para os trabalhadores, após estes acumularem uma poupança de 12 salários mínimos. A proposta seria progressista se avançasse em direção à extinção do FGTS.
Não há por que subsidiar programas de governo com o dinheiro do trabalhador sem que seja de forma transparente, passando pelo Orçamento. Não há por que forçar uma poupança compulsória se já possuímos uma vasta rede de proteção social.
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Tabata pretende propor que o abono salarial seja recebido mensalmente no contracheque do trabalhador. Esse é um benefício caro e desfocado.
Argumenta-se que favorece os trabalhadores pobres, afinal, apenas os que ganham até 1,5 salário mínimo são elegíveis para recebê-lo. Entretanto, atinge muitos outros que não são pobres, além de não atingir os informais (não cobertos pelo abono).
Segundo o Ipea, 59% do abono vai para famílias brasileiras que estão na metade superior da distribuição de renda. Seria mais eficiente propor um programa com os recursos do abono que reduzisse a informalidade.
É certo que devemos aguardar a divulgação do programa em detalhes, mas, se os parlamentares querem realmente enfrentar nossa desigualdade, devem focar programas verdadeiramente sociais, que estimulem a produtividade e, principalmente, a educação. Ajustar o que não funciona para garantir o protagonismo da agenda social não é prioritário para o país.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 7/11/2019