Crises são oportunidade para rever prioridades e estratégias. Os elevados níveis de desemprego, especialmente de jovens, e a estagnação dos níveis de produtividade da economia brasileira colocam em questão a contribuição do capital humano e das políticas educacionais. A crise fiscal dos estados e municípios também torna urgente repensar o financiamento e o uso dos recursos para educação.
Em 30 anos, triplicamos nosso investimento em educação, colocamos todo mundo na escola, e a maioria da população entre 18 e 30 anos cursou pelo menos sete anos do ensino formal. Quase 20% dos jovens de 18 a 21 anos frequentam uma faculdade. Nesse mesmo período, os ganhos de conhecimento dos alunos entre o 5º e o 9º ano foram pífios, e entre o 9º ano e o final do ensino médio, desprezíveis — apesar da universalização da pré-escola e do aumento de mais um ano letivo no ensino fundamental.
Paradoxalmente, as taxas de retorno por ano de escolaridade continuam positivas — quase 10% por ano escolar concluído. E há prêmios significativos para concluir o ensino médio (28% em relação ao fundamental) e o superior (82% em relação ao ensino médio). O mercado possivelmente valoriza alguns aspectos associados à mera frequência à escola e conclusão de suas etapas — mesmo quando isso não representa ganhos significativos de conhecimento.
O enigma da produtividade continua a desafiar os melhores e mais argutos economistas em todo o planeta. Mas não é necessário ser um Nobel em Economia para entender os riscos que corre o setor produtivo — e a sociedade brasileira — decorrentes de políticas equivocadas de investimento na formação de capital humano.
Comecemos pela educação. As políticas educacionais dos últimos quase 70 anos continuam a privilegiar a quantidade sem cuidar da qualidade, e os custos continuam a aumentar. Tornou-se inevitável rever as regras de financiamento e gastos — e quanto mais tempo demorar a reforma, maiores serão os custos para a sociedade e para as futuras gerações.
Na formação profissional, continuamos com um sistema esquizofrênico. O Sistema S concentra seus recursos na formação de pessoas que já estão no mercado de trabalho. Isso seria perfeito, se nossa educação fosse de boa qualidade. Na prática, remendamos um tecido esgarçado. É enxugar o chão com a torneira aberta.
Ao mesmo tempo, as políticas de formação profissional, não obstante serem as preferidas dos políticos, raramente produzem resultados adequados. No caso específico do Pronatec, as avaliações realizadas, inclusive por pesquisadores do Ministério da Fazenda, demonstram perda total. A explicação é simples: treinamento não gera emprego.
Tendo sido dominado por grupos de interesse, o MEC perdeu a condição de formular políticas que atendam às necessidades da sociedade e da economia. E no lugar de um burocrático Conselho Nacional de Educação, precisamos de um vigoroso e proativo órgão responsável por propor e articular políticas integradas de formação de capital humano. A recente tentativa de reforma do ensino médio é um exemplo disso — e dela pouco se pode esperar, exceto muita confusão e maiores custos.
Também é irrealista esperar que o Sistema S entenda espontaneamente que não estamos mais na década de 40 e que a formação profissional do século XXI se faz sobretudo em escolas médias profissionalizantes — nisso deveriam se concentrar os vultosos recursos disponíveis para esse fim.
Há um conjunto de políticas econômicas e sociais que poderiam contribuir para reduzir a pobreza e as condições em que as crianças nascem e são criadas, com efeitos na trajetória escolar e na vida produtiva. Bolsa Família e Criança Feliz são políticas compensatórias que, se bem conduzidas, poderiam mitigar o impacto negativo da pobreza sobre a formação do capital humano.
Tudo isso é importante, precisa ser bem feito, mas não basta. Os maiores desafios encontram-se no campo educacional, onde ainda não existem os rudimentos de uma política para transformar nossa situação calamitosa. A política de creches é inviável dentro do marco regulatório vigente. As ineficiências no uso de gastos públicos — na educação básica e superior — exigem cirurgia antes do aporte de novos recursos. Melhorar a qualidade só será possível depois que o país conseguir atrair e formar bons professores, o que ainda está fora de cogitação nas políticas públicas.
A reforma do ensino médio nem começou a vigorar e precisa ser reformada para se viabilizar. O papel do Sistema S precisa ser repensado e deveria se concentrar prioritariamente na provisão do ensino médio técnico. As universidades públicas carecem de incentivo para se tornarem eficientes e melhorarem a qualidade dos estudantes que formam e das pesquisas que realizam.
O Brasil necessita de um novo espaço institucional para formular e avaliar sua política de formação de capital humano. Saídas são conhecidas — há evidências e melhores práticas que podem servir de referência. O país se prepara para encerrar um triste capítulo de sua história e — quem sabe — abrir uma nova página. Da velha política e dos velhos políticos, não há mais o que esperar. Precisamos de novos políticos e novos governantes, com novas ideias. Precisamos de mais compromisso com o país e menos com o governo — mais compromisso com o coletivo e menos com grupos de interesse.
Para sair da crise e pensar fora da “caixa”, é necessário tratar as políticas de desenvolvimento do capital humano como parte das políticas econômicas, sem as paixões e compromissos ideológicos e corporativistas que hoje amarram as políticas setoriais e impedem qualquer debate esclarecido. Há um caminho a ser aberto. Quem se candidata?
Fonte: “Valor econômico”, 26/09/2017.
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