Quando o pensamento fica desorganizado, a exata compreensão dos fatos sai necessariamente prejudicada. É justamente por isso que, não raro, vemos a cena política lançar mil e uma variáveis esparsas. Na cortina de fumaça, é sempre mais fácil esconder a verdade. Além disso, na pressa da vida, são poucos aqueles que dissecam as situações estabelecidas; regra geral, as percepções se encerram na superfície dos acontecimentos. E, quando a profundidade é rasa, basta pouco para ludibriar muito.
Vencida a folia, é hora de tirar a purpurina do rosto e olhar a realidade como ela é. Desnudada a fantasia, o grave caso de corrupção na Petrobras vem a cada dia ganhando tristes cores, expondo à nação as vísceras de um esquema criminoso de rara ganância delitiva. Os fatos que estão sendo noticiados são absolutamente impressionantes e, uma vez comprovados, selarão, definitivamente, que o poder político brasileiro foi dominado por um perigoso organismo infeccioso que paralisou a decência, castrou a ética pública, cegou a legalidade vigente para roubar o povo e enriquecer políticos, amigos e aproveitadores de plantão.
Naturalmente, o processo será difícil, denso e explosivo. Crimes de poder não se desfazem sem incisões profundas. As pressões são muitas e vêm por todos os lados. As armadilhas estão espalhadas pelo chão; basta um único deslize para que a máquina de guisado da lei volte a moer o espírito dos justos. Apesar das dificuldades e desafios processuais, a punição haverá de ser modelar, pois, do contrário, o modelo brasileiro será o da criminalidade institucionalizada. E, quando a corrupção passa a ser aceitável, o crime vira um costume de Estado.
Em homenagem à clareza, é oportuno lembrar fatos e circunstâncias fundamentais. Quando a notícia das investigações veio a público, o ilustre ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, saiu, prematuramente, em defesa da Petrobras e de sua diretoria, garantindo a regularidade dos atos e a probidade dos procedimentos. Aos poucos, a fala virou pó frente à inegável concretude dos acontecimentos. De tudo, sobrou apenas o desprestígio para a alta função ministerial. Afinal de contas, o ministro da Justiça não é advogado do governo nem dos amigos do Planalto, tendo o dever de prudência, comedimento e imparcialidade.
Foi, então, que o mesmo ministro da Justiça resolveu receber, em segredo, o advogado de um dos graúdos investigados na Operação Lava-Jato. A reunião – inicialmente negada – não tardou muito a ter a negativa desmentida. Parece que o problema foi mesmo a agenda, que não registrou previamente o indigitado encontro. Em meio a idas e vindas, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa pediu publicamente a demissão de Cardozo; na sua visão, tal tipo de procedimento se afastaria do espírito público republicano. Em resposta, o titular da Justiça disse que tem a obrigação de receber advogados e que pensar o contrário seria voltar a tristes tempos autoritários.
[su_quote]Por assim ser, o nó da questão não está na possibilidade da reunião ministerial, mas na natureza do assunto tratado[/su_quote]
Pois bem. Não há dúvida de que o legítimo interesse público autoriza o recebimento ministerial de advogados, médicos, engenheiros, professores e de qualquer outra pessoa do povo. O espírito democrático é aberto e cordial a todo assunto relativo ao bom funcionamento da Nação. Consequentemente, havendo interesse público relevante, as portas palacianas e ministeriais devem ser receptivas e acolhedoras. Todavia, se o assunto for partidário ou privado, o princípio constitucional da impessoalidade impede o uso da estrutura governamental. Não custa lembrar que o homem de partido, uma vez investido na função pública, deve olhar o Brasil e não apenas as facções de poder. E amigos e compadres, pela informalidade da situação, se recebem em casa ou na mesa de algum bar, possibilitando a livre descontração do bate-papo.
Por assim ser, o nó da questão não está na possibilidade da reunião ministerial, mas na natureza do assunto tratado. Longe de mim, aliás, pensar que a pauta incluiu um tema criminoso associado à corrupção desbragada. Acredito que um fato tão baixo e miúdo não iria atrair a atenção de um alto ministro de Estado. Mas até onde a pequenez dos homens sabe respeitar a altura do espírito público intemerato?
Fonte: Estado de Minas, 2/3/2015
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