Os desenvolvimentos políticos recentes podem descarrilar a retomada que parecia ter se iniciado no primeiro trimestre.
Como tenho insistido, a natureza da atual crise é eminentemente fiscal: a recessão começou ainda no segundo trimestre de 2014, mas se agravou quando ficou clara a incapacidade do governo reeleito de endereçar o problema das contas públicas.
Esse entendimento levou à disparada do risco-país, que saltou de 1,5%-2,0% ao ano, observado de meados de 2013 ao fim de 2014, para algo em torno de 2,5% ao ano na primeira metade de 2015 e, prosseguindo em sua escalada, culminou a praticamente 5% ao ano em janeiro do ano passado.
Somado ao descontrole inflacionário, isso levou à elevação da taxa de juros, agravando o colapso do investimento.
As coisas começaram a mudar com a perspectiva de alteração da política econômica, que se cristalizou na criação do teto para as despesas federais e progrediu com o andamento da reforma previdenciária no Congresso, em particular sua aprovação pela comissão especial da Câmara no começo deste mês (embora pareça ter ocorrido há décadas).
Não por outro motivo, o mesmo risco-país em meados de maio havia caído ligeiramente abaixo de 2% ao ano pela primeira vez desde o fim de 2014, valor ainda elevado, mas sugerindo que os temores quanto à capacidade do governo de manter seu endividamento sob controle cediam persistentemente.
Da mesma forma, a estratégia de ajuste fiscal de longo prazo, baseada na combinação do teto para as despesas e reforma previdenciária, afastou o risco da “dominância fiscal”, permitindo o recuo mais vigoroso da inflação a partir do terceiro trimestre do ano passado e, com ela, a recuperação (modesta) dos salários reais e a queda expressiva da taxa de juros.
Assim, a retomada saiu do terreno especulativo para a realidade.
No entanto, esses ganhos devem se perder com a atual crise política. A reforma previdenciária, cuja probabilidade de aprovação era tida como alta, tornou-se bem mais complicada à medida que a base política da atual administração começa a se dissolver.
Caso não seja levada adiante, ou seja, ainda mais desfigurada, a sustentabilidade do teto para os gastos fica ameaçada, solapando a estratégia de ajuste.
Em razão disso, taxas reais de juros voltaram a subir: a taxa para dois anos, que caíra a 4,5% ao ano logo antes da divulgação das gravações do inefável Joesley, já superou 5% na esteira da piora das perspectivas para a inflação.
Num horizonte mais curto, a quase certeza da redução de 1,25 ponto percentual da taxa Selic em maio foi revista para um corte mais modesto, de um ponto, enquanto a magnitude do ciclo de afrouxamento vai sendo gradualmente revista. Tais desenvolvimentos jogam contra a retomada.
Isso dito, é bom deixar claro que a adoção de uma política econômica correta não é, nem deveria ser, salvo-conduto para qualquer governante.
Há regras e estas foram, pelo que foi visto até agora, gravemente violadas.
Ecoando o que escrevi sobre o impacto da corrupção no crescimento, por vitais que sejam as reformas, a governança do país vem em primeiro lugar, não só no plano econômico mas, principalmente, no campo ético.
Se não resolvermos isso, não haverá reforma que baste para nos colocar na rota do crescimento sustentado.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 31/05/2017.
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