34% dos brasileiros, segundo pesquisa do Ibope de 2010, consideravam a educação pública brasileira ótima ou boa, e 44% regular, sobrando 21% que achavam que era péssima. Enquanto isto, os dados do Pisa, a pesquisa internacional da OCDE sobre a qualidade da educação, mostravam que, dos 47% dos jovens de 15 anos que conseguiam chegar ao fim da escola fundamental ou início da média, 67% não tinham os conhecimentos mínimos de matemática esperados para a série, 18,8% não tinham a capacidade mínima de leitura, e 54% não dominavam os conceitos básicos de ciência. Os outros 53% tinham ficado para trás, ou desistido de estudar. Aos 18 anos, em 2012, somente 29% dos jovens haviam conseguido chegar ao final do ensino médio ou haviam entrado no ensino superior, e metade já havia deixado de estudar. Quem olha os dados vê a tragédia que está ocorrendo, mas a maioria da população, talvez por ter conhecido dias piores, não enxerga o problema.
Trajetória
As crianças começam a desenvolver vocabulário e capacidade de lidar com números muito cedo, junto com o desenvolvimento emocional, e se o ambiente familiar não favorecer, elas podem ficar prejudicadas por toda a vida. Uma boa pré-escola pode ajudar, se não for simplesmente um depósito de crianças para as mães que trabalham.
Aos 6-7 anos, todas as crianças deveriam estar lendo fluentemente, se os professores estivessem presentes e usassem os métodos adequados de alfabetização. Mas os professores não sabem, ou são contra estes métodos, e muitos estudantes permanecem para sempre analfabetos funcionais. Nos primeiros cinco anos da escola fundamental, o antigo primário, os estudantes dependem de um único professor ou professora, que deveria enriquecer o vocabulário e a capacidade de leitura das crianças, familiarizá-las com o uso dos números e introduzir os conceitos e ideias iniciais das ciências naturais história e geografia.
[su_quote]É necessário vencer as barreiras mentais e os interesses corporativos que impedem que as melhores soluções sejam buscadas[/su_quote]
Professores e professoras, como pessoas, são modelos de adultos que as crianças vão rejeitar ou emular. Mas muitas vezes estes professores não dominam os conteúdos que devem ensinar, não passaram por um bom curso aonde aprenderam as melhores práticas de ensino, e não conseguem estabelecer com os alunos a relação emocional e de trabalho sem a qual a educação não acontece.
A partir da 6ª série esta pessoa de referência desaparece, sendo substituída por diferentes professores de português, matemática, história, ciências e tantos outros, cada um com suas qualidades e defeitos, nem sempre bem formados. Com onze anos, resta ao aluno achar o seu caminho neste emaranhado. Se ele chegou bem até aí, e se a família puder ajudar, ele consegue ir adiante, estudando mais algumas matérias do que outras, quem sabe se interessando por algumas, e decorando o que precisa para passar de ano.
Aos 16-17 começam a treinar para o Enem, cujos resultados são conhecidos de antemão: os alunos de boas escolas privadas ou das poucas escolas públicas seletivas, que vêm de famílias mais educadas, conseguem boas notas e uma das 200 mil vagas em universidades públicas que são oferecidas a cada ano. Aos demais – cerca de 8 milhões – cabe quem sabe a chance de voltar para o ensino médio para um curso do Pronatec ou se matricular em uma faculdade particular paga e de qualidade desconhecida. A grande maioria, no entanto, não chega lá: não entende bem o que está fazendo na escola, não consegue acompanhar os cursos, e, quando chega aos 14 ou 15 anos, desiste de estudar.
O papel da escola
As escolas não podem, sozinhas, corrigir as grandes desigualdades socioeconômicas da sociedade, nem as grandes diferenças de interesse, motivação e talento que existem em todos os níveis sociais, mas podem ajudar muito, se funcionarem como devem. Anos de pesquisa no Brasil e no mundo já permitem saber o que faz uma boa escola e um bom sistema de ensino. Não existe bala de prata, mas várias coisas que precisam ser feitas ao mesmo tempo.
A escola precisa ser uma comunidade viva e comprometida com seus fins, e para isto precisa de um diretor que entenda sua missão, seja capaz de liderar os professores, se relacionar bem com a comunidade em volta, e mostrar três resultados. Os professores precisam conhecer bem o que devem ensinar, dominar as técnicas e procedimentos pedagógicos adequados a cada nível de ensino, gostar e estar comprometidos com os resultados de seu trabalho.
Os alunos precisam encontrar na escola um ambiente agradável e estimulante, e ter a possibilidade de um atendimento individualizado, na medida de suas necessidades; e o tempo de permanência das crianças na escola deve ser mais longo, de pelo menos 6 horas diárias.
Currículo absurdo
Se, nos anos iniciais, todos os estudantes precisam passar pelo mesmo tipo de educação, a partir do ensino médio é preciso entender que eles são diferentes, e organizar o sistema educativo para lidar com estas diferenças. O currículo do ensino médio brasileiro, com 15 ou mais disciplinas obrigatórias, é claramente um absurdo, mas a solução não é fazer um currículo mais “enxuto” ou “ interdisciplinar” e sim abrir a possibilidade de escolhas e modernizar os conteúdos.
Algumas competências mais gerais, como as de escrita e a leitura, o raciocínio matemático e o aprendizado de inglês, precisam ser reforçadas para todos, ainda que adaptadas aos diversos perfis de formação. Para os que pretendem se candidatar à universidade, deve ser possível se aprofundar em temas nas áreas de interesse principal – química, eletrônica, computação, biologia, meio ambiente, estatística, direito, economia.
Para a grande maioria, que não tem condições ou não querem cursos universitários tradicionais, deve haver cursos técnicos de qualidade, em áreas como serviços de saúde, processamento de dados, mecânica, eletrônica e outros, que garantam uma certificação reconhecida pelo mercado de trabalho e ao mesmo tempo um título de nível médio que permita continuar os estudos depois em cursos superiores ou tecnológicos mais avançados.
O ensino técnico e profissional só pode dar certo se contar com a participação ativa do setor empresarial, ajudando a formular os currículos, oferecendo equipamentos para as escolas, participando dos sistemas de certificação profissional e oferecendo oportunidades de aprendizagem prática supervisionada, que é muito diferente do uso de estagiários como mão de obra barata. O Enem precisa ser substituído por certificações e avaliações específicas dos diferentes tipos de formação seguidas pelos alunos. A questão é como passar da situação atual para esta que seria desejável. Para isto é preciso recursos, mas, sobretudo, é necessário vencer as barreiras mentais e os interesses corporativos que impedem que as melhores soluções sejam buscadas, e, principalmente, que a o população deixe de ser tolerante com a péssima qualidade da educação que temos hoje, e comece a exigir resultados.
Fonte: Folha de S. Paulo, 07/12/2014
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