Nem bem terminaram as eleições municipais, logo começaram as articulações visando à eleição de 2014, tendo como centro a disputa pela Presidência da República, aí incluindo quem e qual partido ocuparão a posição da Vice-Presidência.
Tal processo se efetua no contexto mais amplo de conclusão do julgamento do mensalão, com a condenação e prisão da cúpula petista do primeiro mandato do presidente Lula.
Isto significa dizer que o PT, a despeito de declarações de seus dirigentes atuais, se verá obrigado a uma revisão doutrinária e a uma renovação do ponto de vista de seus líderes.
O PMDB, principal partido do ponto de vista das eleições municipais, tem como objetivo guardar as posições conquistadas e, mesmo, ampliá-las com novos ministérios. A aliança com o PT, sobretudo sob o guarda-chuva do governo Dilma, tende a se consolidar, no comum interesse de ambos em suas pretensões eleitorais.
Mais especificamente, o PMDB, para guardar as suas posições de poder, procura manter a Vice-Presidência da República com o atual ocupante do cargo, Michel Temer.
No entanto, mesmo isso foi objeto de um início de contestação interna ao partido, com o grupo carioca, capitaneado pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, propondo o nome do atual governador, Sérgio Cabral, como substituto.
O princípio de uma contestação foi, porém, logo abortado, em um claro sinal de que a atual composição partidária tende a se manter.
Note-se que o vice-presidente Michel Temer conseguiu moderar os apetites internos do partido, frequentemente fisiológicos, com alguns integrantes seus descambando para o tráfico de influência e o desvio de recursos públicos.
Ou seja, sua liderança tem tido o efeito benéfico de apresentar, junto à opinião pública, um partido mais coeso, que já não mais aparece nas páginas policiais. A aparência pública mudou.
Isso possibilitou que o partido comparecesse mais unido em suas negociações com o governo Dilma e com o PT em suas várias instâncias estaduais e municipais, vindo a exercer um maior protagonismo político.
Sendo conhecido que o PMDB é principalmente uma federação de partidos regionais, sob forte influência de políticos locais, a liderança do vice-presidente fez com que ele aparecesse como um partido unificado nacionalmente.
Por outro lado, essa ação moderadora se traduziu igualmente por uma composição governamental mais afeita à conciliação, à negociação e ao respeito ao estado democrático de direito, sem os rompantes populistas do governo anterior. Isto é, a composição PMDB-PT terminou se fazendo com os setores petistas não radicais, que ficaram marginalizados nesse processo.
As reações intempestivas do atual presidente Rui Falcão, atacando a liberdade de imprensa e os meios de comunicação, no contexto do mensalão, também se inserem nesse contexto de disputa interna ao próprio partido. Trata-se de um discurso partidário, “para dentro”, cerrando fileiras em torno de bandeiras mais radicais, próprias do PT de antanho.
Nessa perspectiva, o julgamento do mensalão e a condenação — e prisão — de lideranças partidárias representativas do partido obriga necessariamente o PT a se repensar e se renovar.
O PT da ética na política acabou na corrupção e no desvio de recursos públicos, segundo a mais Alta Corte do país. Do ponto de vista das ideias, é como se estivéssemos falando de dois partidos diferentes.
De um lado, temos as declarações do presidente do partido, afrontando o Supremo e ameaçando com a censura sob a forma do “controle social da mídia”. O ridículo não tem aqui limites, como se se tratasse, no seu próprio dizer, de um “golpe de setores conservadores” contra o governo petista.
De outro lado, ocorre que o governo petista não se reconhece nesse tipo de declaração. A ministra Gleisi Hoffmann foi contundente ao afirmar que o resultado do Supremo e as instituições devem ser respeitados.
Trata-se evidentemente disto: o respeito às instituições como condição essencial de um Estado democrático e republicano. O Brasil, graças a essa nova posição do Supremo, reafirmando o valor das instituições, está dando um basta à impunidade reinante.
A presidente Dilma, por sua vez, foi cristalina ao declarar que prefere o barulho da imprensa, mesmo em seus excessos, ao silêncio das ditaduras. Posicionou-se, nesse sentido, contra um setor do seu próprio partido que advoga por posições contrárias. Não há sociedade livre sem irrestrita liberdade de imprensa e dos meios de comunicação em geral.
Note-se que nos últimos dias o presidente Lula, depois de anos negando a “existência do mensalão”, calou-se diante das penas infligidas aos seus companheiros.
Na verdade, abandonou-os à própria sorte, pois são hoje um entrave às suas pretensões eleitorais e ao sucesso futuro de seu partido. Notícias vazadas de apoios por telefonemas privados ocultam falta de apoio público.
Ainda no interior da atual coligação governamental, o PSB de Eduardo Campos procura avançar, seja disputando o lugar da Vice-Presidência para as eleições de 2014, desalojando Michel Temer e o PMDB, seja com o governador de Pernambuco almejando diretamente a disputa presidencial, criando um recall para eleições futuras.
Os socialistas passam a ser protagonistas políticos, com o objetivo de deixarem a posição subalterna e periférica que tinham em relação ao PT.
Cada jogador está avançando suas próprias peças nesse novo xadrez político e eleitoral. Talvez se possa dizer que o país se encontra no meio de uma transformação importante, com as instituições se consolidando, e os partidos obrigados a terem um diferente aprendizado dessa nova situação. Os apetites políticos estão à flor da pele.
Resta ainda saber se o PSDB conseguirá criar uma alternativa própria viável, com expectativa de poder, ou se tornará um espectador dos jogos internos da coligação governamental.
Terá ainda de enfrentar o problema do mensalão mineiro, suas ligações com Marcos Valério, em outro julgamento futuro do Supremo.
Fonte: O Globo, 19/11/2012
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