Em uma semana, o presidente eleito Jair Bolsonaro e sua equipe já lidam com divergências em relação ao empresariado. O comércio é um dos pontos sensíveis com a política de alinhamento com Estados Unidos e Israel, que pode afetar as exportações para a comunidade árabe. Após as declarações, uma missão brasileira ao Egito foi cancelada , sem nova data, com o argumento de que existem problemas na agenda das autoridades do país.
Outro ponto de divergência com parte do empresariado foi a criação de um superministério da Economia, que inclui a pasta da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. As entidades industriais temem perder a interlocução direta ao deixarem de ter uma pasta voltada para tratar de assuntos direcionados ao setor.
Na avaliação de especialistas, a proposta de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém traria a possibilidade de o país perder negócios com os países árabes. Esse impacto seria maior do que os ganhos potenciais com Israel, país com o qual já há um acordo de livre comércio no âmbito do Mercosul desde 2010.
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De janeiro a setembro, enquanto o Brasil exportou para Israel cerca de US$ 270 milhões, os países árabes compraram quase US$ 10 bilhões no período. Os principais produtos vendidos para o Oriente Médio são milho, minério de ferro, soja, carne bovina e açúcar. As importações da região são basicamente de petróleo, adubos e fertilizantes.
– O primeiro sinal do que pode acontecer vem do cancelamento da visita do Egito ao Brasil – avaliou Welber Barral, sócio da consultoria Barral M Jorge, ex-secretário de Comércio Exterior do governo federal, de 2007 a 2011.
Para Barral, os países árabes poderiam não renovar certificações para venda de carne ou priorizar a compra de terceiros.- Ainda que o mundo dos negócios seja quase imune a inclinações ideológicas, a proposta (de transferir a embaixada) pode gerar certo estranhamento por parte da comunidade árabe – afirmou Thiago Galvão, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília.
Na avaliação de Arnaldo Francisco Cardoso, professor de relações internacionais da Universidade Presbiteriana Mackenzie, não há dado que mostre que a mudança do local da embaixada, que é uma decisão política, possa resultar em ganhos comerciais.
-As empresas trabalham com a realidade, com acordos em andamento. Esse tipo de discussão aumenta a incerteza, e isso é ruim, já que o ambiente de negócios depende da confiança – avaliou, citando entre setores relevantes nesse comércio o de alimentos, produtos da construção civil e automotivo.
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Paulo Guedes, o futuro ministro da Economia, já havia afirmado que o Mercosul não será prioridade. Posteriormente, o comentário foi minimizado, lembrando que o Mercosul é um acordo de livre comércio consolidado, no qual o Brasil é superavitário.
– O Mercosul é nosso principal mercado de manufaturados. Se houver atrito com o bloco, não haverá mercado alternativo – disse o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) José Augusto de Castro.
Para alguns setores, como o automobilístico, o Mercosul é relevante. No caso da MAN, divisão de caminhões da Volkswagen, mais de 25% das exportações vão para países do bloco. Roberto Cortes, presidente da montadora, já disse que espera que não ocorram retrocessos em acordos firmados, embora entenda a busca de maior abertura comercial.
O sinal mais recente de reação da indústria foi a proposta de criação de um Ministério da Produção, Trabalho e Comércio. O novo órgão seria resultado da fusão das pastas do Trabalho e do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Mas a ideia não encontra eco na equipe de transição do novo governo e enfrenta a oposição das centrais sindicais.
Fonte: “O Globo”