Sei de pessoas que rasparam o dinheiro dos fundos de investimento e colocaram tudo na poupança. Isso pouco antes de serem anunciadas as novas regras da caderneta.
Não, não são economistas, muito menos jornalistas. Nem funcionários do governo. Não foi, portanto, dica de cocheira, mas uma boa intuição. Pessoas com nível comum de educação financeira, acompanhando o noticiário, imaginaram: os caras ainda vão mexer na poupança, mas como não são loucos de garfar os depósitos já existentes, a caderneta pode ser uma boa opção, mesmo porque esses fundos já não estão dando grande coisa.
Bingo.
Lembrei-me de um amigo, professor de literatura, ignorante em economia, que, na véspera do Plano Collor, sacou todo o dinheiro que tinha na poupança, sua única aplicação, e guardou tudo em casa, em sacos de papel. “Como você adivinhou?” – perguntavam todos, depois do confisco. E ele: “Não adivinhei nada; quando vi aquele debate todo, pensei: deixo meu dinheiro em casa, quando eles resolverem o que fazer, deposito de novo”.
Para os que acompanham mais de perto o noticiário econômico, havia uma pista muito forte no atual episódio. Quando, há poucas semanas, o Banco Central (BC), inesperadamente, avisou que a taxa básica de juros seria reduzida para 9% ao ano e ali ficaria por um bom tempo, muitos analistas (inclusive este colunista) sugeriram que a causa dessa decisão estava na velha caderneta. Esta colocava um piso para os juros. (Confira no artigo publicado em 19 de março de 2012; também em www.sardenberg.com.br, Política Econômica.)
O Banco Central não admitiu isso, nem a presidente Dilma, muito menos o ministro Mantega, mas a coisa estava lá. E se tratava de algo preciso: reduzir o rendimento da poupança.
Muitos especialistas em Banco Central apresentaram outros argumentos técnicos para o surpreendente piso fixado explicitamente pelo BC, uma atitude rara. Mas, quando se estava nessa discussão, o BC surpreendeu de novo ao anunciar que a taxa básica poderia, sim, cair abaixo dos 9%. O que se passou entre uma e outra surpresa?
No primeiro momento, o governo Dilma não pretendia “mexer na poupança”, potencial de trauma nacional, antes das eleições de outubro. Depois, achou que podia correr o risco, para aproveitar a onda favorável à queda dos juros. Decidido isso, o BC precisava desfazer a informação de que os 9% eram o piso do juro básico – o que fez na Ata do Comitê de Política Monetária (Copom) publicada no último dia 26. Não por acaso, desde esse dia aumentaram as especulações sobre as mudanças na poupança.
Não é mesmo uma razoável sequência? Mesmo porque, é inteiramente verdade que não havia como prosseguir na derrubada dos juros com uma aplicação financeira que rendia, por lei, sempre um pouco acima dos 7% ao ano, sem Imposto de Renda (IR), sem taxas, segura e com o aplicador podendo sacar seu dinheiro a qualquer dia. Trata-se de rendimento fora do padrão para economias estáveis. Em resumo, tratava-se de um instrumento pré-Real.
Até 23 de abril, havia R$ 431 bilhões depositados na poupança – dinheiro que será integralmente corrigido pela regra velha, 0,5% ao mês mais a Taxa Referencial de Juros (TR, fixada pelo governo). Nos 12 meses encerrados em abril, isso deu 7,26%.
A taxa básica do BC certamente vai a 8,5% em 30 de maio, em reunião do Copom. Claro, se não fosse para isso, por que mexer agora nas regras para os novos depósitos na poupança?
E faz todo o sentido, dada a lógica do governo, especular com uma taxa básica (a Selic) de 8% ou menos que isso. Os fundos de investimento lastreados em títulos do governo vão pagar isso, menos IR e taxa de administração. Ou seja, o pessoal da poupança velha estará com um belo trunfo na mão.
A menos, é claro, que a inflação dispare. Depois de perder para a inflação de 2001 a 2004, o rendimento da poupança tem superado o IPCA (índice tomado como referência pelo BC) desde 2005. A inflação oscilou entre o mínimo de 3,1%, em 2006, e os 6,5%, do ano passado, com média de 5,21%. Para este ano e o próximo, a previsão é de um IPCA acima dos 5%, mas abaixo dos 6%, o que garantiria ganho real para a poupança velha.
Existe o risco de a inflação subir além disso? A resposta é sim. A presidente Dilma explicitou sua agenda de política econômica: derrubar juros, desvalorizar o real e reduzir impostos. Não tem feito nada para o último quesito. A arrecadação tem obtido seguidos ganhos reais expressivos, quer a economia cresça, quer não.
Quanto aos dois primeiros quesitos, há ações efetivas. Não é o caso de discuti-las aqui, mas de chamar a atenção para outro ponto. Notaram que a presidente não relacionou a inflação – baixa, claro – como objetivo de política econômica? Duas possibilidades: uma, a presidente dá de barato que a inflação está firmemente controlada; ou duas, a presidente não se incomodará com um índice de preços mais elevado.
Reparem: a derrubada acelerada dos juros, com o objetivo explícito de ampliar o crédito para pessoas e empresas, tem efeito inflacionário. (Não faz muito tempo, o próprio BC dizia que era preciso segurar a expansão do crédito.) A desvalorização do real em relação ao dólar também tem efeito inflacionário. Variam conforme o momento, as circunstâncias locais e externas, mas são movimentos pró-inflação.
É mais difícil, toma mais tempo e exige reformas profundas a redução dos juros mantendo inflação baixa. Já os chamados economistas desenvolvimentistas, que consideravam Dilma até um pouco ortodoxa, dão outra receita: juro lá embaixo imediatamente, na base da vontade política e da pressão; dólar caro (ou moeda local desvalorizada); controle de capitais; proteção à indústria local; e pé na tábua do crescimento. E se der inflação de, digamos, 15% a 20%? Não tem problema, dizem, países emergentes podem suportar isso na arrancada.
Pensaram na Argentina?
Fonte: O Estado de S. Paulo, 07/05/2012
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