O debate sobre o destino dos recursos que serão arrecadados com a exploração das reservas de petróleo pré-sal esquentou. Cada grupo de interesse se mobiliza para tentar ficar com uma fatia maior do bolo. O governo federal apela para um discurso sensacionalista, alegando supostas motivações sociais para concentrar ainda mais recursos em seu poder. Fala-se em reduzir os royalties estaduais cobrados nos leilões para aumentar o valor arrecadado pelo governo federal. Perdem não apenas todos os cariocas, mas o próprio conceito de federalismo.
No cerne do federalismo está o princípio de subsidiariedade, ou seja, uma divisão de tarefas entre as diferentes esferas de governo, mantendo-se o máximo possível do poder de escolha perto do povo. Em outras palavras, tudo aquilo que pode ser decidido pelo próprio indivíduo assim deve ser feito, e em seguida pela família, condomínio, bairro, município, estado e finalmente nação. Desta forma, as diferentes coletividades respeitam o máximo possível as liberdades individuais. O argumento mais básico a favor do federalismo é bastante simples: muitas atividades do governo não necessitam de uma política abrangente nacional, que apenas encarece o processo e dificulta a tomada de decisão.
Quanto mais poder concentrado em Brasília, mais distante do indivíduo fica o governo. Portanto, o discurso do governo federal de concentrar mais recursos em nome dos interesses do povo é enganoso. Quanto mais próximo do eleitor estiver o governo, mais interesse ele terá em fiscalizar o uso de seus recursos. Basta comparar o interesse das pessoas na reunião de seu próprio condomínio, com o grau de dedicação no que diz respeito às decisões distantes em Brasília. É natural se dedicar mais quando sua participação pode realmente exercer alguma influência.
Infelizmente, o Brasil vem caminhando à contramão desta lógica. O governo federal concentra cada vez mais recursos em nome do “interesse nacional”, distorcendo totalmente as relações de poder entre as esferas de governo. Como os estados repassam boa parte de seus impostos ao governo federal, que poderá redistribuí-los arbitrariamente depois, todos viram reféns do poder Executivo, à espera de verbas maiores num leilão de favores políticos, que acaba estimulando a corrupção. Além disso, há um claro problema de representatividade: a Região Sudeste, que responde por mais da metade do PIB nacional, não conta com uma participação correspondente na Câmara e no Senado, que tem um peso desproporcional do Norte e Nordeste. Os “caciques” da política nacional, eleitos com poucos votos em termos relativos, acabam dando as cartas no jogo político.
O petróleo presente nas camadas pré-sal do estado do Rio de Janeiro não deveria encher ainda mais os cofres de Brasília. Os cariocas deveriam dar um basta a esta transferência absurda de recursos para o governo federal. Não custa lembrar que o movimento conhecido como Inconfidência Mineira, que tinha Tiradentes como um dos líderes, desejava justamente estancar a sangria de recursos retirados da capitania para a Coroa portuguesa, através da “Derrama”, o imposto cobrado sobre o ouro extraído em Minas Gerais. Tratava-se de um movimento separatista inspirado nas idéias iluministas, as mesmas que levaram à independência americana por rebeldia contra mais impostos e concentração de poder da Inglaterra.
Roberto Campos fez um diagnóstico certeiro da situação nacional: “Continuamos a ser a colônia, um país não de cidadãos, mas de súditos, passivamente submetidos às ‘autoridades’ – a grande diferença, no fundo, é que antigamente a ‘autoridade’ era Lisboa. Hoje é Brasília”. Até quando vamos aceitar isso?
(Publicado em O Globo)
No Comment! Be the first one.