Inteligência artificial, criptomoedas, nanotecnologia, blockchain, biotecnologia, computação quântica, big data… Que jogue a primeira pedra quem nunca se sentiu perdido em meio a tantas tecnologias. O novo livro de Guy Perelmuter busca organizar os conhecimentos sobre esse conjunto de técnicas que está moldando o mundo moderno. Em Futuro Presente: O mundo movido à tecnologia, o engenheiro de computação e mestre em inteligência artificial mostra como a inovação afeta a vida das pessoas — e como continuará a afetar no futuro.
Guy tem experiência no assunto. Em 2016, fundou a Grids Capital, um fundo de investimentos focado em tecnologia de ponta – as chamadas deep techs. Lá, seu trabalho é entender como transformar pesquisa e desenvolvimento em produtos e serviços que empresas possam levar aos consumidores.
Na introdução do livro, você fala sobre várias previsões falhas sobre a tecnologia. Como não cair no mesmo erro, levantando a bola de alguma tecnologia que não vai vingar ou descartar alguma que será importante no futuro?
Ao escrever sobre o futuro, você está sempre se expondo ao potencial ridículo. Tem gente extremamente qualificada que tenta fazer previsões e fica para a posteridade essas frases erradas. Tenho dois nortes quando tento falar sobre o futuro. Primeiro, gosto de uma frase de um cientista da computação, Alan Kay, que diz que a melhor forma de prever o futuro é inventá-lo. Tento aproveitar minha experiência como investidor de tecnologia para escrever sobre as tecnologias que sabemos que estão “no forno”, que estão sendo desenvolvidas, preparadas. Apenas extrapolando coisas que a gente já sabe que estão acontecendo. O segundo ponto é que existem no mundo algumas inevitabilidades, tendências contra as quais não há muito sobre o que se possa fazer.
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Poderia dar um exemplo?
Há tendências bem definidas, por exemplo, sobre longevidade, as pessoas vão viver mais. A medicina vai ter que enfrentar doenças associadas à idade, mais do que o fez nos últimos séculos. Estamos vendo um mundo que tem uma tendência de urbanização crescente e de aumento de população crescente – são duas inevitabilidades que trarão desafios sobre energia, alimentos, transportes. Tentei me ancorar nessas inevitabilidades que acredito que não temos como escapar nas próximas décadas.
No livro, você apresenta diversas tecnologias e fala sobre diversos temas, de futuro do trabalho a carros autônomos, de biotecnologia a redes sociais. Dessas tecnologias, qual acredita que tem maior potencial para mudar nossa sociedade?
Sempre gosto de dizer que quando constrói uma mesa, não se pode escolher qual das quatro pernas é a mais importante. Sem qualquer uma das quatro, a mesa não funciona. Estamos caminhando para um mundo altamente complexo e integrado. A ideia de abordar todas essas tecnologias no livro é tentar mostrar como cada uma tem seu lugar, e nós como usuários de tecnologia e beneficiários do mundo cada vez mais tecnológico, vamos utilizar um conjunto de tecnologias que são um somatório de várias técnicas independentes.
O que o livro faz é tentar quebrar essas tecnologias em alguns blocos básicos. As tecnologias do futuro vão ser somatórios de diversos elementos, como se você estivesse montando um quebra-cabeças e estivesse pegando uma peça aqui e outra ali e tornando isso algo que é fácil de usar, aproveitar e entender.
Você sempre fala na relação das pessoas com a tecnologia. O que as pessoas precisam fazer para se preparar para esse mundo que você está apresentando, em que é preciso somar várias peças diferentes e multidisciplinares?
Ler o livro é um ótimo primeiro passo [risos]. As mudanças impostas pela tecnologia na sociedade e na economia não são novidade. Desde que a gente começou a usar algum tipo de ferramenta, lá nas savanas da África quando o ser humano mal tinha se tornado ser humano, a marcha da sociedade é ditada pela evolução tecnológica. O que a gente está vendo nas últimas décadas, e essa é uma das inevitabilidades, é o fato de que o tempo entre a ideia, o teste, o protótipo, a produção e a disseminação está diminuindo cada vez mais.
A preparação que as pessoas precisam ter é entender que a gente não está vivendo um fenômeno novo, apenas mais acelerado. Se você tiver uma boa noção de quais são esses blocos, esses elementos que estão construindo esse mosaico que é a nova sociedade, tem uma chance melhor de estar preparado e não ser surpreendido.
Você cita uma frase de William Gibson, que diz que o futuro já está aqui, só não está distribuído de maneira homogênea. O que é preciso para distribuir melhor esse futuro – e o que ganhamos fazendo isso?
Vou começar pelo final. O ganho como sociedade. Historicamente a tecnologia tem um resultado líquido positivo para a civilização. A despeito de efeitos colaterais, a qualidade de vida, a expectativa de vida e a capacidade de as pessoas terem vidas mais produtivas são positivamente afetadas pela tecnologia. Como tudo na vida, existem aspectos negativos e que precisam ser muito bem pensados. Uma sociedade tecnológica como a que estamos construindo é uma sociedade muito faminta por energia, e desde que a revolução industrial começou isso tem criado problemas como poluição, efeito estufa, problemas que podem num espaço muito curto de tempo causar impacto irreversível para nosso ecossistema. O que vai endereçar esse ponto é tecnologia.
Fazer uma distribuição homogênea da tecnologia e do futuro é uma tarefa que precisa estar ancorada em políticas públicas modernas e inteligentes. Tentar administrar uma nação, um estado, uma cidade, um bairro ou uma empresa como se fazia há 20, 30, 40 anos atrás é absolutamente impossível.
Então, o que os governantes e empresários deveriam fazer?
Não basta estar na mesma página que a sociedade, quando você tem poder de decisão na mão, seja você um empresário, governante ou legislador, você tem que estar à frente do que está acontecendo. Se não, quando você conseguir colocar em prática aquilo que desenhou, a evolução tecnológica já te atropelou. É muito importante que se preparem as pessoas, a sociedade, com base cientifica e tecnológica.
Como?
Como governo, é preciso criar uma estrutura acadêmica, universitária e de centros de pesquisa onde haja uma cultura de desenvolvimento de novas tecnologias, de inovação de base científica, de troca de informações com outros países, de intercâmbio de inteligência, não de bens de baixo valor agregado em troca de bens de alto valor agregado. A economia é movida a ideias, a informação, a talentos.
Preparar e espalhar esses benefícios para parcela mais ampla da sociedade me parece ser um desafio que começa dentro do setor governamental, em particular junto a instituições de ensino, seja de ensino superior, médio ou fundamental. Quanto mais a gente conseguir criar bases educacionais para preparar as pessoas para reagir a um mundo mais tecnológico, mais temos chances de reduzir esse hiato que existe entre acesso e não acesso à tecnologia.
Como colocar o Brasil na ponta desse desenvolvimento tecnológico?
Tem dois eixos. Na parte de produção acadêmica, o Brasil está entre os 15 primeiros países do mundo. O Brasil é capaz de produzir pesquisa de qualidade. Temos centros de pesquisa e universidades com professores e pesquisadores de nível internacional, e isso se reflete em rankings de publicação de artigos científicos.
Mas quando olhamos os resultados do Pisa, que mede a educação de nível mais fundamental, o Brasil tem uma posição absolutamente incompatível com seu tamanho e potencial.
Se olhar onde o Brasil está em um ranking de competitividade global, mesmo em tópicos simples como facilidade de abrir uma empresa ou fazer prestação de contas e pagamento de impostos, o Brasil está em uma posição absolutamente vergonhosa para tamanho da economia e da sofisticação do nosso ambiente de negócios.
Esses dois elementos não são fruto do acaso, o dinheiro do governo, tanto para educação quanto para ciência e tecnologia, não é gasto com eficiência. O governo tem que fazer seu papel de fomentar a pesquisa básica, criar as condições para o país criar inovações como as vemos em países como Israel e Estados Unidos, onde há uma proximidade muito grande entre academia e indústria.
Fonte: “Época Negócios”