Eu tenho um sonho: acordar um dia sabendo que o presidente do Brasil, seja quem for, ficará até o fim de seu mandato. Não precisa nem ser um presidente bom; basta não ser terrível (o que exclui uns dois ou três presidenciáveis).
Desde que Dilma assumiu em 2015 — depois de uma campanha comprovadamente criminosa —, enquanto vinham à tona as práticas ilegais que levariam a seu impeachment, até agora, com Temer correndo sério risco, o grande debate nacional é se o presidente permanecerá ou não no cargo.
Isso é muito ruim. Sim, é divertido especular sobre a queda dos poderosos; nos sentimos vivendo em dias importantes. Na verdade, esse clima impede o que é realmente importante. O ocupante da cadeira monopoliza a agenda da política e a discussão pública. As pautas centrais do Brasil são deixadas de lado e mesmo as reformas cruciais que já correm no Congresso vão sendo sangradas para angariar apoio. Nas conversas só se fala disso; os negócios ficam à espera de tempos melhores. É tudo pelo governo e, portanto, nada pelo país.
Se Rodrigo Maia assumir, alguém duvida do próximo passo? “Ele é ilegítimo”, “diretas já!”. Será assim até a eleição de 2018. Aí, finalmente, pela primeira vez em quatro anos, talvez tenhamos paz. Isto é, se escolhermos bem.
A primeira providência é não eleger candidato enrolado em processo judicial. Se isso ocorrer, estaremos a um passo do estado de exceção, e os últimos anos serão lembrados como tranquilos.
Institucionalmente, o que nos preserva da instabilidade perpétua é a exigência técnica de que, para tirar um presidente, ele tenha cometido crime. É uma exigência um pouco mambembe, porque quem julga a abertura do processo é a Câmara, cujo juízo é — Rodrigo Maia que o diga — em larga medida político. Ainda assim, é melhor que nada: há uma expectativa de objetividade.
A pior loucura agora seria mexer nisso, seja com um pedido de eleições diretas ou com novidades como a “PEC do recall” que tramita pelo Congresso. Se ela passar, bastará um abaixo-assinado popular e uma maioria da Câmara de Deputados para instaurar o processo de revogação de mandato do presidente.
O resultado será que, a partir do momento em que um novo presidente assume o cargo, estará aberta a campanha para derrubá-lo. Com a pressão da opinião pública cada vez mais forte sobre o Congresso, viveremos esse delicioso clima de guerra sem interrupções pelo resto de nossas vidas.
Instituições não existem fora de nós. O que as faz reais é a decisão de limitar nossas próprias ações segundo alguma regra, na expectativa de que os outros façam o mesmo. Sem isso, não há arranjo formal que impeça o vale-tudo.
Carecemos desses valores. Todos os presidentes da redemocratização sofreram vários pedidos de impeachment. O PT foi o partido que mais os fez, o que dá uma ideia de seu apreço pela ordem institucional. A diferença é que, anos atrás, a população não era tão mobilizada e nem tinha os meios para pressionar diretamente a política. Isso mudou.
Neste momento, ou fortalecemos nosso apego à lei acima das paixões partidárias (e excluímos quem não respeitar), ou nos resignamos ao caos. Depois de “Fora, Dilma”, “Fora, Temer” e talvez “Fora, Maia”, o desafio do Brasil será eleger alguém de quem, mesmo não gostando, consigamos dizer: fica!
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 11/07/2017.
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