Por S. Lazzarini, A. Musacchio, R. Bandeira-de-Mello e R. Marcon
Após a sua tentativa frustrada de fundir o Pão de Açúcar com o Carrefour, o empresário Abílio Diniz declarou que foi um erro ter envolvido o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na transação. Segundo ele, poderia ter obtido recursos de outras fontes sem despertar críticas de envolvimento de capital público.
Ao mesmo tempo, uma grande empresa brasileira nos confessou que é fácil para ela obter dinheiro no exterior para seus investimentos. Acabam captando do BNDES por sugestão do próprio banco, que gosta de emprestar para bons pagadores.
Continua a prática de financiar privatizações. Deveria emprestar a projetos descartados pelo setor privado
Enquanto isso, um dono de restaurante reclama da demora na liberação de certas linhas do BNDES. Mas isso não o está impedindo de abrir nova filial do restaurante.
Esses casos nos fazem perguntar: o Brasil precisa do BNDES?
Antes que nos chamem de privatistas ou neoliberais, é bom antecipar que a nossa resposta para essa pergunta é sim. Mas não como está sendo feito atualmente.
Discussões acadêmicas sobre bancos de desenvolvimento reconhecem a importância desses bancos em financiar empreendedores com bons projetos, mas sem acesso a capital. Também podem ajudar o mercado em momentos de crise e escassez de crédito, injetando capital como forma de inflar os espíritos animais dos empresários.
Não nos parece, entretanto, que seja o caso do BNDES. Um estudo que fizemos com as empresas listadas em bolsa no Brasil no período 2002-2009 mostra que, embora o banco empreste para empresas com bom fluxo de caixa, um aumento ou diminuição das alocações do BNDES para essas empresas não afetam consistentemente o seu desempenho ou taxa de investimento. Empresas comparáveis, sem BNDES, investem tanto quanto empresas com BNDES*.
Umas das explicações é que empresas listadas em bolsa são de grande porte e têm amplo acesso a fontes diversas de capitalização, internas ou externas. Mas contraem as linhas do banco como forma de se beneficiar dos subsídios do banco, ainda que os seus projetos saíssem de uma ou outra forma. Mesmo estatais como a Petrobras, que têm recebido volumosos aportes do BNDES, podem facilmente emitir títulos no exterior a um custo mais baixo do que competidores de peso.
Já reagindo a críticas de que o BNDES tem financiado grandes grupos, executivos do banco têm se preocupado em mostrar que a participação de pequenas e médias empresas nas linhas de crédito vem aumentado.
A maior ênfase em pequenas empresas é altamente louvável, mas não é suficiente. Esses pequenos empresários conseguiriam recursos de outra forma? Os seus projetos geram impacto social relevante que justifique aporte de um banco público? Financiar um pequeno empresário abrindo uma loja em grande cidade não é, sob o ponto de vista social, o mesmo que financiar um empresário buscando soluções de alta tecnologia para projetos de nutrição ou saúde.
Executivos do banco também enfatizam que o crescente papel das alocações para apoiar projetos de infraestrutura. Sem dúvida, uma das áreas de maior carência no Brasil. Mas aí há, nova mente, um problema de priorização. Por que, por exemplo, financiar 60 a 80% dos investimentos em estádios de futebol ou grandes aeroportos de elevado tráfego, quando são projetos que interessam às empresas? Continua, no Brasil, a prática de financiar privatizações e concessões com volumosos recursos públicos. O correto seria fazer isso só no caso de projetos com baixo interesse pelo setor privado. Aeroportos regionais, prisões, saneamento, estradas e portos em regiões pouco desenvolvidas são exemplos.
Alice Amsden, professora do MIT e pesquisadora destacada de políticas industriais, afirmou no seu livro “The Rise of the Rest” que o maior problema dos bancos de desenvolvimento não é “gastar com as indústrias erradas, mas gastar muito de forma geral” (p. 135).
Com o crescente interesse por mercados emergentes e o maior desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro, abre-se uma grande janela de oportunidade para atrair recursos externos e direcionar crédito público para aqueles que realmente precisam. Assombrados pela crise no mundo desenvolvido, investidores estrangeiros correm como loucos à busca de novas oportunidades.
Nesse sentido, seria desejável aumentar o uso de instrumentos do próprio mercado de capitais. Ao invés de empréstimos diretos, por exemplo, o banco poderia atuar mais na compra de uma parcela reduzida de debêntures emitidas por empresas, deixando o resto suprido por outros investidores.
Nas suas alocações acionárias via BNDESPar, seria também importante estabelecer uma estratégia clara de saída: o banco apoia determinadas empresas com carência comprovada de recursos, mas já sinaliza que irá vender sua participação quando o empreendedor puder caminhar com suas próprias pernas. Comprometendo-se, ao mesmo tempo, a não resgatar perdedores.
Mas se o BNDES fosse mais seletivo nas suas alocações, suprindo reais falhas de mercado, provavelmente o banco teria metade do tamanho que tem agora. Seria uma oportunidade de reter os talentos do banco e colocá-los para incentivar e monitorar iniciativas de alto impacto social. Interessa aos governantes e políticos, entretanto, abrir mão de um colosso com grande influência sobre o direcionamento de crédito no país? Para essa pergunta, infelizmente também já sabemos a resposta.
Fonte: Valor Econômico, 09/03/2012
Sem se esqueçer que paga para finciar