Os projetos voltados para se ter mais controle dos gastos públicos, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, promulgada no dia 4 de maio de 2000, têm sido uma das alternativas para solucionar problemas relacionados ao mau uso dos recursos da União. A insatisfação com o emprego indevido do dinheiro dos contribuintes é um dos pontos da agenda das manifestações de rua iniciadas em junho passado. Atento a relevância desse debate, o Instituto Millenium entrevistou o economista Mansueto Almeida, doutorando em Políticas Públicas no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), em Cambridge, nos Estados Unidos, e membro da Diretoria de Estudos Setoriais e Inovação (Diset) no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em Brasília. De acordo com ele, o equilíbrio das finanças públicas depende da melhoria da gestão, de mudanças nas regras que influenciam o crescimento do gasto social e da definição de prioridades.
Leia a entrevista na íntegra
Instituto Millenium: A discrepância entre os gastos públicos e a qualidade dos serviços prestados aos cidadãos, que sempre foi motivo de críticas no Brasil, ganhou ainda mais destaque com as manifestações populares iniciadas em junho passado. Em sua opinião, o que deve ser feito para equilibrar os gastos do governo?
Mansueto Almeida: Aqui há pelo menos três problemas. Primeiro, o Brasil já tem uma carga tributária muito elevada, em torno de 36% do PIB, que é um valor muito alto para o nosso nível de desenvolvimento. Assim, não há mais como tentar melhorar a oferta de serviços públicos com aumento do gasto público, o que exigiria uma maior arrecadação. O debate sobre como aumentar a oferta e a qualidade dos serviços públicos terá que se concentrar no aumento da eficiência do gasto e na modificação do mix da despesa pública.
Segundo, no âmbito do governo federal, conseguimos explicar 85% do crescimento da despesa não financeira desde 1999 apenas com o aumento das transferências de renda via INSS, seguro desemprego, abono salarial, bolsa família e benefícios aos idosos e pessoas com deficiência (LOAS). Esses gastos representam mais de 50% da despesa não financeira do governo federal. Não há mais como continuar fazendo mais do mesmo. O próximo governo terá que mostrar para a sociedade que é preciso fazer escolhas, priorizar os programas sociais mais baratos e mais eficazes no combate à desigualdade de renda.
Terceiro, um choque de gestão é bem vindo, mas não será suficiente para controlar o gasto do governo. No âmbito dos estados e municípios, um choque de gestão pode até resultar em ganhos maiores do que no governo federal porque a estrutura de gastos dos entes subnacionais é mais em gasto finalístico (saúde, educação, segurança pública, transporte etc) do que em transferências. Mas mesmo aqui serão necessárias mudanças legais.
Em resumo, a agenda de controle do gasto público requer, além do esforço, sempre necessário de melhorar gestão, mudanças de regra que influenciam o crescimento do gasto social e a definição de prioridades. É uma agenda de governo e não para um ou dois anos.
Imil: Qual é o papel de regras como a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para tornar a gestão dos recursos nacionais mais eficiente, isto é, qual é o impacto dessas normas no dia-a-dia e na gestão do dinheiro público?
Almeida: A LRF foi positiva em vários aspectos como, por exemplo, o princípio de que para cada novo gasto de caráter continuado o governo tem que definir antes que a fonte receita existe, o controle do nível de endividamento dos estados e municípios, o limite para gastos com pessoal etc. No entanto, há vários pontos da LRF que precisam de aperfeiçoamento. Cito três. Primeiro, na época da LRF a preocupação maior era com o controle da despesa e com a transparência dos gastos fiscais. Assim, a LRF não avançou muito na questão de eficiência do gasto, que é um dos desafios mais imediatos no debate fiscal hoje. No Brasil, se faz pouca avaliação das políticas públicas e vários subsídios e renúncias de receitas não são adequadamente discutidas no processo orçamentário.
Segundo, a LRF deixou uma brecha para o gasto do governo federal com políticas setoriais. Como falei, a LRF exige que para cada novo gasto de caráter continuado o governo identifique a fonte de receita. Mas, essa mesma exigência não vale, por exemplo, para gastos de investimento ou para empréstimos para bancos públicos. Assim, se o governo quiser financiar 100% dois ou três trens de alta velocidade ele pode simplesmente aumentar a divida e mandar os recursos para o BNDES. Não há controle na LRF sobre esse tipo de operação e como até hoje o Senado não definiu um teto para o endividamento do governo federal, o governo tem carta branca para aumentar seu endividamento e emprestar para bancos públicos. Em 2007, os empréstimos do Tesouro Nacional para bancos públicos eram de R$ 14 bilhões (0,4% do PIB). Em junho de 2013, esse saldo havia crescido para R$ 438,7 bilhões (9,6% do PIB).
Terceiro, o Art. 67 da LRF faz previsão da criação de um conselho de gestão fiscal que seria o corpo técnico responsável pela normatização de conceitos, disseminação de práticas de eficiência do gasto público, divulgação de análises, diagnósticos etc. Se esse conselho estivesse funcionando, é bem possível que o uso crescente da contabilidade criativa não tivesse ocorrido. Mas, infelizmente, esse artigo da LRF é, por enquanto, letra morta. A LRF já tem mais de uma década e até hoje o conselho gestão fiscal não foi criado.
Imil: Alguns parlamentares, como o senador José Agripino Maia e o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha, criaram projetos de lei com foco no controle do crescimento desenfreado do Estado. A proposta de Maia dificulta e limita a criação de ministérios, estatais e demais órgãos públicos. Já o projeto de Cunha, propõe a redução dos atuais 39 ministérios para 25. Como o senhor avalia essas iniciativas, isto é, qual é a importância desses projetos?
Almeida: Acho esse tipo de projeto positivo. Dificultar a criação de órgãos públicos e reduzir o número absurdo de ministérios é sem dúvida positivo. No entanto, embora traga alguma economia, essas medidas não serão suficientes para controlar o crescimento da despesa do governo federal. Por exemplo, o salário mínimo no Brasil passou de R$ 622 para R$ 678 de 2012 para 2013. Esse crescimento de 9% representou uma despesa extra permanente para os cofres do governo federal de R$ 17 bilhões. É muito difícil que controle do custeio da máquina pública em um ou mais anos compense o efeito da regra de reajuste do salário mínimo. A sociedade pode fazer opção que deseja continuar com a regra de reajuste atual do salário mínimo, mas se esse for o caso, é bom que fique claro também que o governo não reduzirá a despesa primária.
Outro exemplo é a forte concessão de subsídios por parte do governo federal em programas como o Programa de Sustentação do Investimento (PSI) e o Minha Casa Minha Vida. Esses dois programas juntos, que foram criados em 2009, hoje envolvem uma despesa anual de mais de R$ 20 bilhões que antes não existiam. E no caso do PSI, o governo promoveu um forte aumento da dívida pública para emprestar a uma taxa de juros menor para o BNDES operacionalizar o programa, o que afeta o custo do endividamento do governo federal e a dívida bruta.
Em resumo, redução no número de ministérios e controle na criação de órgãos públicos são medidas positivas, mas estão longe de serem suficientes para controlar o crescimento da despesa primária.
Imil: Além da redução dos órgãos públicos e da fiscalização, o que mais deve ser feito para conter os gastos excessivos?
Almeida: A lista é grande, mas já apontei acima: aumentar a eficiência do gasto, o que significa priorizar programas mais baratos e mais eficazes para atingir o objetivo definido; mudar regras de indexação de algumas políticas, como a regra de reajuste anual do salário mínimo, reduzir os subsídios concedidos pelo governo. Vou complementar aqui acrescentando que é preciso criar no Brasil a cultura de avaliação de resultados e de custo de oportunidades. No Brasil, não se conhece o custo de várias políticas públicas nem mesmo porque se dá incentivo para o setor X ao invés de reduzir o imposto para todos os setores.
Imil: O senhor acredita que o país caminha para uma gestão mais responsável dos recursos nacionais ou estamos fadados ao uso indevido das verbas públicas?
Almeida: Hoje, não há nada que indique que estamos caminhando para uma gestão fiscal mais responsável. Ao contrário. O que o governo fez nos últimos anos com o recolhimento de dividendos do BNDES e Caixa Econômica Federal (CEF). Ao mesmo tempo aumentava a dívida pública para emprestar para esses bancos, o uso da operação de capitalização da Petrobras, em 2010, para aumentar artificialmente a receita em um ponto do PIB, a venda de créditos a receber da Eletrobrás para o BNDES em 2009 e 2010, o não pagamento de subsídios que estão se acumulando como restos a pagar, aumento da divida dos estados e outras coisas aumentaram o risco fiscal. Gestão responsável na área fiscal requer transparência do custo das políticas e nos últimos anos, apesar da LRF, tenho convicção que abusamos das operações de contabilidade criativa para esconder o custo de várias políticas. Para melhorar isso é preciso que o governo faça as mudanças necessárias na LRF, com a criação do conselho de gestão fiscal e que pare de utilizar os bancos públicos como forma de burlar os limites da LRF.
Além disso, a Secretaria do Tesouro Nacional e o Ministério do Planejamento não podem se dar ao luxo de decidir quando vão falar ou não com a imprensa. Esses órgãos precisam sempre tirar as dúvidas dos jornalistas sobre o gasto público e a receita federal, pois a sociedade tem o direito de exigir mais transparência no uso de recursos públicos. Hoje, os jornalistas têm uma imensa dificuldade de esclarecer dúvidas com órgãos governamentais.
é muito bom poder ver entrevistas
de bom nivel no site do instituto!