No início de 2013, ao ser avisado de que um leilão de rodovias marcado para dali a poucos dias não teria concorrentes, o governo recolheu osflaps e suspendeu a realização do evento. Mais adiante, tentou retomar a agenda sem reexaminar adequadamente o assunto, e acabou enfrentando enorme desgaste — não apareceu nenhum candidato para o negócio. Haviam decorrido vários meses desde que o novo programa oficial tinha sido anunciado, o governo jogara todas as fichas nessa iniciativa para a retomada dos investimentos, e o plano parecia continuar fadado ao fracasso.
Em estudo disponível em minha página na internet (www.raulvelloso.com.br), discuti essa experiência recente com os coautores do trabalho, e alertei para os principais problemas remanescentes. Recentemente, contudo, no fim do túnel das idas e vindas das concessões na área de infraestrutura, tem surgido uma luz promissora. Tanto os leilões de rodovias como os de aeroportos começaram a ficar em pé, trazendo um certo alívio às autoridades do setor.
São indícios de que o governo pode ter começado a acordar para a necessidade de pôr a expansão dos investimentos na linha de frente das prioridades nacionais. O modelo pró-consumo dá claros sinais de esgotamento, os ganhos de preços de nossas exportações perderam força, e finalmente as autoridades parecem se dar conta de que não há como conciliar mais investimento público em áreas típicas de sua participação, como a de transportes, com gastos correntes em forte escalada ascendente. (Recorde-se que este ano será de eleições gerais, época em que o grau de racionalidade das decisões governamentais tende a diminuir consideravelmente).
A verdade é que, tanto quanto ocorre no caso dos demais serviços, não há como importar pontes, estradas, aeroportos etc. Ou seja, a infraestrutura só se expande se houver maior investimento local. E a hipótese de destinar mais recursos para transportes tem a vantagem adicional de propiciar o aumento da produtividade total dos fatores de produção, tão necessário quando a carência de investimentos é aguda. Assim, se o Estado não separa dinheiro em volume minimamente suficiente para esse fim, a única saída é leiloar concessões junto ao setor privado, por mais que o viés ideológico dominante vá na direção oposta.
Havia duas dificuldades básicas para os leilões darem certo. Uma era a baixa qualidade dos projetos oficiais, resultado da falta de prioridade conferida à área de transportes nas últimas décadas. Como leiloar serviços tão complexos como os de infraestrutura, sem um conhecimento qualificado do poder concedente sobre a matéria? Outro obstáculo era a grande confusão criada pelas autoridades, diante da ordem superior de buscar modicidade tarifária a qualquer custo. Em vez de procurar chegar às menores tarifas possíveis — que normalmente se determinam por meio de certames competitivos, a partir de tarifas-teto adequadas —, o governo estruturou leilões sob tetos extremamente reduzidos, na ilusão de que esse seria o caminho para chegar aos preços corretos. Na prática, em vez de resultarem nas menores tarifas possíveis, os tetos tarifários muito baixos acabaram simplesmente afugentando os concorrentes.
Nos últimos meses, o governo se dispôs a rediscutir as premissas dos cálculos e os próprios modelos de concessões com as partes interessadas, corrigindo vários erros que os projetos anteriores continham. Em seguida, recalculou as tarifas-teto, num processo que acabou elevando consideravelmente os valores fixados anteriormente. Diante desse novo quadro, estruturaram-se leilões bem mais competitivos, permitindo a comemoração de elevados deságios dos resultados finais em relação às novas tarifas-teto oferecidas.
Tudo resolvido com as concessões que foram aprovadas até agora? Penso que ainda há muito chão a percorrer, cabendo ainda avaliar cuidadosamente a experiência dos últimos leilões. Algo que salta aos olhos é a eliminação da exigência da apresentação de planos de negócios por parte dos concorrentes dos leilões. Como se reconhecesse o despreparo de suas equipes técnicas para analisar esses documentos, o governo prefere navegar meio às escuras ao longo da duração das concessões, o que é obviamente inadequado. Um bom plano de negócios contribui para empreendimentos de melhor qualidade, algo que serve igualmente a qualquer das partes envolvidas.
O curioso é que o BNDES, principal financiador dos projetos, vai sempre exigir em modalidades de financiamento project finance um plano de negócios de qualidade consistente. Há, por isso, o risco de que o plano levado ao banco só se viabilize financeiramente se for descartado o impacto de obrigações assumidas na proposta original, algo que seria difícil de rastrear sem a existência daquele documento. Outro absurdo seria implementar o reequilíbrio financeiro de contratos no futuro sem se dispor de forma clara dos parâmetros disponíveis apenas nos planos originais de negócios.
Fonte: O Globo, 13/01/2013
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