Entre os nossos problemas estruturais, está a forte tendência ao crescimento dos gastos públicos correntes que, conforme mostrei há três anos com colegas no Fórum Nacional, deverão dobrar em porcentagem do PIB até 2040, se não fizermos as reformas certas.
Sob ataque dos defensores dos gastos, tenho demonstrado que, por conta disso, o Orçamento virou uma grande folha de pagamentos de benefícios previdenciários e assistenciais, além do óbvio gasto com pessoal.
Tanto assim que essa folha toda alcança praticamente três quartos do gasto da União, e engloba mais da metade da população, se considerarmos que as famílias atendidas têm em média duas pessoas.
[su_quote]Os superávits fiscais só crescerão mais se a economia — e, portanto, a arrecadação — se recuperar minimamente[/su_quote]
Ou seja, apenas um quarto do Orçamento vai para os serviços convencionais, tipo educação e saúde, e investimento. Não pode dar certo. Sem reformas, a hiperinflação terá de voltar para corroer o valor real desses pagamentos a pessoas.
Obviamente, ninguém defende isso e, felizmente, outros começam a bater na mesma tecla. Só que, ainda que as pessoas possam em princípio concordar com a tese, ninguém quer mexer em casa de marimbondos que afeta tanta gente, a não ser que não haja escolha.
O momento é o pior possível, pois o governo está totalmente sem credibilidade, e a oposição não desempenha bem seu papel. Assim, quando e quem poderia liderar o processo de reforma?
O pior é que estamos vivendo uma crise de curto prazo que em parte se deve a problemas estruturais, mas tem outras causas que precisam ser equacionadas.
O próprio governo que esteve à frente de sua criação tenta reunir forças para dar um cavalo de pau na economia, reverter o processo e retomar o rumo do crescimento, num ambiente em que se fala todos os dias em impeachment.
Ou seja, o problema de longo prazo precisa, sim, ser atacado, mas existem outros que, com ou sem impeachment, requerem ação específica para o país voltar a andar.
Em primeiro lugar, depois de vários anos atuando praticamente com pleno emprego dos fatores de produção, a economia vem desacelerando rapidamente. Na raiz está a insistência num modelo que jogou todo o foco no consumo e desprezou o investimento privado especialmente em infraestrutura, apesar do discurso aparentemente favorável a ele.
[su_quote]O governo precisa entender melhor como funciona a economia de mercado[/su_quote]
Depois, em que pese vários anos de bonança fiscal, acabamos imersos numa crise que requer um ajuste necessariamente recessivo, pelo menos num primeiro momento. Essa crise é muito difícil de debelar, pois, diante de gastos públicos tão rígidos, e sem condições políticas mínimas, não há como pensar em medidas drásticas que dependam do Congresso.
Ou seja, os superávits fiscais só crescerão mais se a economia — e, portanto, a arrecadação — se recuperar minimamente. Um grande desafio nesse ponto é convencer os credores do governo a ter paciência, de forma a não induzir as agências de risco a retirar a classificação de “bom pagador” do país enquanto as coisas não encontram um rumo adequado.
Assim, a capacidade de produção primeiro se esgotou com o modelo errado, e agora, ao contrário, começa a sobrar — ou o desemprego a aumentar —, pois, diante de todos os problemas, a reação recessiva acaba acontecendo.
Em que pese não haver mais o boom de commodities, a reação automática à crise virá pelo lado das exportações, que já são estimuladas pela depreciação em curso da taxa de câmbio real, pelo enfraquecimento do mercado de trabalho — que reduz o custo da mão de obra —, e pela retomada dos investimentos privados.
O que se teme, contudo, é que essa reação natural demore muito a acontecer e a paciência dos credores do governo se esgote, o que levaria à fuga de capitais e ao agravamento da situação.
Acuado como está, o governo não tem escolha. Precisa concentrar atenções no investimento, preservando ao máximo a parte pública no ajuste fiscal em curso, e removendo os entraves que ele mesmo tem interposto à parte privada.
Não adianta apenas lançar planos e fazer promessas. No que se refere às concessões privadas é preciso mudar o comando que vem de cima, e reduzir a interferência de instituições sem função executiva, como o TCU, que, mesmo com a melhor das intenções, têm contribuído para aumentar o risco dos negócios.
O governo precisa entender melhor como funciona a economia de mercado, onde atua seu principal parceiro nas concessões, o investidor privado. O ponto central é que o investidor compara alternativas de investimento disponíveis e só abraçará as concessões de infraestrutura se o retorno esperado for competitivo com os demais.
Em vez de aceitar que a competição nos leilões leva naturalmente às tarifas e retornos adequados, o governo insiste em jogar toda a força de sua pesada atuação no sentido de reduzi-las, se não na largada do processo, quando o privado tem mais opções para decidir, mas ao longo de todo o período que dura uma concessão de infraestrutura. Resultado: os planos acabam não se materializando.
O novo comando, então, deveria ser: equipemos melhor as agências reguladoras e deixemos o setor privado atuar livremente, que eles darão conta do recado.
Fonte: O Globo, 10/08/2015.
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