A taxa de câmbio é um “preço-chave” da economia, formando um tripé com a inflação e a taxa de juros. Quando se desalinha, todos os outros acabam impactados de alguma forma, afetando também os fundamentos, ou seja, os indicadores econômicos.
Na adoção de regimes cambiais, quando fixo, principalmente no combate à inflação, é importante ter um tempo certo de duração, pelo impacto que causa nas contas externas. Por outro lado, quando flutuante, mesmo que pontuado por intervenções corretivas (“flutuação suja”), como na maioria dos países, é importante aproveitar os “choques exógenos” para combater os desajustes. No cenário atual, com o real depreciado a 19% ao ano, esse amortecimento de choques tende a se dar pelo aumento das exportações e pela redução das importações, com aumento na oferta de divisas.
Soma-se a isso o fato de que o choque exógeno atual é poderoso, movimentando mais de US$ 7 trilhões nos mercados globais e representando 70% das transações financeiras e comerciais. Trata-se do ajuste de liquidez que o Federal Reserve (Fed) deve realizar nos próximos meses.
Desde maio deste ano, com intensificação entre junho e agosto, um forte movimento especulativo se espalhou pelos mercados de ativos globais, com especial atenção para o câmbio. Tudo começou quando o presidente do FedD, Ben Bernanke, no dia 22 de maior (ver gráfico), resolveu anunciar que, em algum momento, começaria a reverter a política de compra de ativos de US$ 85 bilhões mensais, conhecida como QE3 [quantative easing]. A partir de então, o dólar passou por uma escalada de valorização, tendo fechado, na quinta-feira passada, 22 de agosto, a R$ 2,438 – 19% no ano.
Deve-se salientar, como escrito neste espaço em outras semanas, que este movimento acabou exacerbado no Brasil, pois, além da facilidade de mobilidade de recursos, dada a abertura da conta de capital, há alguns desajustes na nossa economia, como de indicadores (inflação, atividade, juro etc) e políticas adotadas (dissintonia entre política fiscal expansionista e monetária cautelosa), o que acaba por gerar um reposicionamento mais forte dos fundos estrangeiros contra o mercado brasileiro.
Mas naquela mesma quinta-feira, o Banco Central (Bacen) resolveu, mais uma vez, botar seu “bloco na rua”, com mais uma forma de atuação mais forte e definida no mercado cambial. Passou a anunciar colocações diárias de US$ 500 milhões em leilões de swap (vendas no futuro), de segunda a quinta-feira, e de US$ 1 bilhão, na sexta-feira, com leilões de “linha” (vendas no mercado à vista e posterior recompra). Com isso, a moeda acabou cedendo no dia seguinte, chegando a ficar abaixo de R$ 2,39.
Tal decisão deve ser saudada por reduzir as incertezas e aumentar a previsibilidade nas ações do Bacen. Mesmo assim, o mercado ainda aguarda quando, em que intensidade e por quanto tempo o Fed começará a reverter a compra de ativos. A ata do Federal Open Market Committee (Fomc) e as declarações de vários fedboys acabaram não servindo muito, gerando mais dúvidas do que certezas. Um grupo de diretores do Fed acredita haver condições para a redução da compra de ativos agora, em setembro, mas outro acha que só deve acontecer ao final do ano, se prolongando até meados de 2014.
O fato é que, parafraseando Alexandre Tombini [presidente do Bacen], observa-se um “movimento de realinhamento global das moedas”, o que afeta mais os emergentes, em especial, aqueles com déficits em conta corrente maiores, como Brasil e Índia. Em uma análise das moedas destes, até o dia 20 de agosto, o real acumulava, no ano, depreciação próxima a 19%, enquanto o rand da África do Sul, 17,6%; a rúpia da Índia, 14,9%; a lira da Turquia, 10,5% e o peso do México, 2,1%. Este último, embora tenha desajustes internos, tende a se beneficiar no longo prazo, com o aumento do fluxo de comércio com os EUA, seu parceiro preferencial. Outros também tendem a ser beneficiados no longo prazo, dada a retomada da economia norte-americana, do Japão e a superação da crise da Zona do Euro. Sobre o real, a justificar sua forte depreciação e o movimento contrário no passado recente, quando do chamado “Tsunami Monetário”, adotado pelos EUA com o QE3, além da alta liquidez dos nossos ativos.
Neste cenário é importante saber, dado o dólar no patamar entre R$ 2,30 e R$ 2,40, como a economia real e os fundamentos responderão. Vejamos:
Taxa de juros
O Bacen deve prolongar o ciclo de aperto monetário, por meio da elevação de juro em 2013 e 2014. Será importante “dosar” este ciclo de forma a evitar uma reversão no ritmo lento de retomada da atividade, mas sem perder o foco no combate à inflação, dado o repasse cambial em curso. Para o fim deste ano, estamos prevendo a taxa básica de juros a 9,5%, indo a algo entre 9,75% e 10% em 2014. Importante salientar que o “ciclo eleitoral” acabou antecipado, sendo importante variável na decisão de medidas populistas (ou não). Agora, em 28 de agosto, o Comitê de Política Monetária (Copom) deve optar por um ajuste de 0,5 ponto percentual, chegando a 9%.
Inflação
Difícil estimar a intensidade do repasse do dólar para a inflação, num momento de volatilidade. Caso a moeda se acomode no patamar entre R$ 2,30 e R$ 2,40, é possível que já observemos reajustes de commodities lastreadas em dólar, como trigo e milho (ração, afetando outras cadeias alimentares), além de minerais, como aço e cobre. Outro impacto deve vir pelo lado das empresas de bens duráveis, importadoras de componentes eletrônicos. Importante lembrar o possível reajuste da gasolina, dada a disparidade entre preço interno e externo dos derivados do petróleo, chegando a 30%. Estimativas de mercado apontam duas etapas deste reajuste, faltando definir o percentual. Mesmo assim, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve se aproximar de 6%, em 2013, mesmo patamar estimado para 2014.
Endividamento e estrutura de custo das empresas
As estruturas de custo do setor industrial são diferenciadas. Alguns setores são mais dependentes de insumos importados, outros, menos. Sendo assim, setores com forte participação na importação de insumos, como plásticos, componentes eletrônicos e commodities, serão mais afetados. Já outros, com grande participação de exportações, como calçados, siderurgia, alimentos, serão beneficiados. Sobre o endividamento, mesmo com a demanda por swap, para as empresas fazerem hedge, as mais afetadas serão aquelas com grande endividamento em moeda estrangeira.
Balança comercial
Acumula déficit comercial de US$ 4,89 bilhões neste ano, em decorrência do adiamento das internações de desembarque de petróleo do ano passado para 2013. Dependendo do período em que o dólar se mantiver no atual patamar, dá para pensar em algum estímulo às exportações. Não acreditamos, no entanto, em uma reversão de déficit neste ano, talvez ocorra em 2014. Ao fim deste ano, estimamos o déficit comercial entre US$ 500 milhões e US$ 1,5 bilhão, revertendo, em 2014, para saldo positivo em torno de US$ 4,0 bilhões. Como dito acima, tudo dependerá da intensidade e duração da depreciação cambial, regra também aplicável a todos os outros casos.
Saldo em conta corrente
Com o câmbio depreciado, espera-se uma melhoria do déficit em conta corrente, tanto neste ano quanto no próximo, com melhora da balança comercial e redução das despesas com viagens internacionais e remessas de lucro. Até julho, o déficit está em US$ 77,7 bilhões, nos 12 meses, com os investimentos externos diretos, insuficientes para este financiamento, a US$ 62,3 bilhões.
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