“Visitante, identifique-se”. Pela placa na cancela da Rua Tembés, motoristas mais distraídos podem pensar que estão entrando num condomínio fechado. Mas não. Desde o último dia 15 de abril, porteiros em quatro guaritas com cancelas e câmeras controlam quem entra e sai da Vila Kosmos, na Zona Norte do Rio. Pela primeira vez, um bairro inteiro do Rio — que compreende uma área de 18 hectares, o equivalente a 18 campos de futebol — foi fechado com autorização da prefeitura.
— Os moradores resolveram se unir porque a situação de violência estava insustentável. Todos conhecemos alguém que já foi assaltado ou teve a casa roubada. Estava muito perigoso. Agora, o fluxo de pessoas diminuiu muito. Para a gente, está bem melhor assim — contou o taxista Alessandro Molinaro, de 39 anos.
Em 2012, ele e outros moradores, cansados da rotina de roubos, se juntaram com o objetivo de se informar sobre como poderiam fechar o bairro. Formaram uma associação, e Molinaro virou o presidente. Depois, montaram um projeto — que previa o fechamento de três ruas para carros e a presença de cancelas em outras quatro — e o levaram à vereadora Rosa Fernandes (PMDB), que tem base eleitoral na área.
A proposta foi levada por Rosa ao então prefeito, seu aliado Eduardo Paes. Em maio de 2015, um despacho publicado em Diário Oficial autorizou o projeto, que foi financiado com dinheiro dos moradores.
Há dois meses, quem tem o controle remoto que levanta a cancela pode entrar tranquilamente na Vila Kosmos. Já quem não tem, deve abaixar o vidro, se identificar ao porteiro na guarita e dizer o motivo da ida ao bairro. Pedestres só entram por um caminho em zigue-zague, que impede a passagem de motos.
Morador do bairro há mais de 30 anos, o aposentado Adão Freitas, de 63 anos, diz que o bairro “voltou a ser como era antigamente”:
— Voltamos a viver num paraíso. Era um inferno.
De janeiro de 2016 a fevereiro de 2017, 160 registros de roubos foram feitos por moradores da Vila Kosmos em delegacias da Zona Norte. Um levantamento da associação comunitária contabilizou três roubos após a inauguração das cancelas.
— Quando a população se organiza, é sinal de que vive uma angústia. Tudo foi pautado na legalidade. Não se fechou nada sem publicação no D.O. — frisou Rosa Fernandes.
A medida, no entanto, não é unanimidade no bairro: segundo a própria associação, 15% dos moradores não apoiaram a construção das guaritas. Após a inauguração, um homem tentou destruir uma das cancelas. Especialistas também condenam a medida. Para a cientista social Silvia Ramos, da Universidade Cândido Mendes, o fechamento “abre um precedente perigoso”.
— Moradores querendo fechar bairro não me espanta. O que me espanta é o poder público autorizar. É cair no conto de que um muro vai trazer proteção. Exatamente o que os Estados Unidos estão fazendo com o México. Essa é uma conversa muito convincente, que têm muitos adeptos. Só que cabe ao poder público, que controla o que pode e o que não pode, justamente impedir isso. Senão a cidade vai acabar sendo toda loteada segundo o interesse dos moradores. Isso abre um precedente muito assustador. A insegurança não justifica uma série de medidas que violam direitos. A segurança pública precisa ser para todos, e não só para alguns — opina a especialista.
Já o sociólogo Michel Misse, da UFRJ, afirma que a medida não resolve o problema da segurança pública:
— A eficácia é puramente local. Saindo do bairro, as pessoas vão seguir expostas.
Fonte: Jornal Extra.
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