Há esperança de que a campanha eleitoral deste ano se concentre em temas relevantes ao eleitorado, em vez de descambar para a baixaria e para ataques pessoais.
Parte dessa esperança se baseia no programa do governo Michel Temer, que pôs as reformas econômicas na agenda do brasileiro. Será impossível, dizem os esperançosos, concorrer sem debater temas como Previdência, reforma trabalhista ou o abismo fiscal que se avizinha. Impossível, prosseguem, promover mais um estelionato eleitoral, nos moldes do praticado pela campanha de Dilma Rousseff em 2014.
Dilma em 2014, como esquecer… Negou a necessidade de ajuste fiscal, para depois se ver obrigada a implementá-lo, de modo canhestro e acanhado. Aécio acabaria com o Bolsa Família; Marina se aliara a banqueiros para tirar comida do prato dos pobres (imagem copiada de uma campanha americana dos anos 1960).
Pois percam as esperanças os esperançosos. É não apenas possível, como provável, que a campanha deste ano seja ainda pior e mais suja. Desde pelo menos a Roma antiga, a política vive da mentira e do estelionato eleitoral. Não será o Brasil de 2018 que mudará a história.
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Mesmo que João Santana, o pai de santo das últimas campanhas petistas, tenha sido preso, o tabuleiro eleitoral favorece ainda mais as invencionices dos marqueteiros, as cartas escondidas na manga e trapaças sorrateiras. Não apenas no PT, mas em todos os partidos.
Por ao menos três motivos:
1. WhatsApp – Pior que os blogs sujos, as “fake news” no Facebook ou os robôs do Twitter são as listas de distribuição do WhatsApp. Descentralizadas, privadas, sem nenhum controle ou regulamentação, tornaram-se o meio ideal para disseminar boatos e propaganda política. A campanha de Jair Bolsonaro foi pioneira no uso prioritário do “zap” como ferrramenta de comunicação. Outras deverão imitá-la.
2. Indefinição – A corrida aberta dá a qualquer candidato a sensação de que basta uma campanha bem feita para chegar lá. Se nem nomes que teriam a perder, como Dilma em 2014, resistiram à baixaria, que dizer daqueles novatos dispostos a tudo para chamar a atenção do eleitor? As candidaturas mais bem situadas poderão usá-los como linha de apoio e torná-los usinas paralelas de ataques pessoais aos adversários, em troca de espaço num futuro governo.
3. Perfil do indeciso – Entre os mais pobres e menos instruídos, fatia que concentra a maior parte do eleitorado, três quartos não sabem em quem votar. Não se trata de um público inclinado a um debate aprofundado sobre a legislação trabalhista ou previdenciária. Ao contrário, são os mais propensos a embarcar na demagogia do “povo” contra a “elite”, que tanto tem funcionado nas últimas campanhas. É nesse público que os candidatos de esquerda depositam sua esperança, mesmo que seja inviável a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Eleições em dois turnos se transformam por definição na disputa binária do “nós contra eles”. Não há como transformar esse tipo de campanha num enfrentamento civilizado ou numa discussão sofisticada e informada a respeito do déficit Previdência ou das melhores políticas para situar o Brasil no novo mundo da Quarta Revolução Industrial.
Na hora do vamos ver, o adversário precisa ser tachado de corrupto, inimigo do povo – e transformado em vilão. Nosso candidato, em herói de uma narrativa redentora capaz de salvar o país. Vai combater o crime e a violência! Vai acabar com a pouca vergonha e a corrupção! Vai tirar dos ricos que têm tanto e dar para nós, pobres coitados!
No mundo todo, o maior desafio da democracia é evitar se tornar presa do discurso populista e resgatar a confiança em instituições cuja credibilidade foi destroçada. Não tem dado muito certo. Em diferentes graus, os exemplos se estendem da Rússia aos Estados Unidos, das Filipinas à Venezuela, da Hungria à Polônia, da Turquia à Catalunha. Por que o Brasil seria diferente?
Fonte: “G1”, 24/04/2018