* Por Marcos Lisboa e Armínio Fraga
Alguns países conseguiram controlar a disseminação do novo coronavírus por meio de medidas adotadas na alvorada da pandemia, com a adoção de testes disseminados para a população e quarentena para os infectados.
Não foi o nosso caso, apesar de termos sido um dos últimos países a serem contaminados.
As autoridades brasileiras menosprezaram o risco da doença, iniciando as medidas de controle tarde demais e atabalhoadamente. As primeiras contaminações ocorreram e não havia plano de ação para conter o contágio. O resultado é uma taxa de crescimento de novos infectados maior do que na Itália.
Hora de administrar o rompimento do dique.
O país não tem capacidade de produzir os testes necessários para identificar os já contaminados, isolá-los do convívio social e reduzir a taxa de disseminação do vírus.
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Medidas extremas de distanciamento social têm sido inevitáveis e vão se agravar, restringindo a mobilidade da maior parte da população no espaço público. Tão importante quanto isso, porém, será definir com clareza as diversas atividades que não podem ser interrompidas.
A produção de alimentos, medicamentos e outros bens essenciais não pode ser paralisada. Serviços de farmácia, infraestrutura, coleta de lixo, logística, bancos, correios, comércio local e venda de combustíveis devem continuar a ser oferecidos. Isso significa excluir pessoas do confinamento.
Focos de epidemia e problemas localizados podem interromper a cadeia de suprimentos dessas atividades essenciais. Será preciso monitorá-las para identificar as eventuais dificuldades e solucioná-las tempestivamente.
A prioridade, neste momento, deve ser cuidar das pessoas nos grupos de risco. Além das medidas de distanciamento social, devem-se priorizar as ações necessárias para equipar em ritmo de emergência o aparelho hospitalar da nação. Há uma relevante carência de leitos de tratamento intensivo, equipados com respiradores. Cabe importar kit para detecção da virose, assim como mais adiante vacinas.
Em segundo lugar, o governo deve igualmente garantir renda mínima para a população. Não será fácil. Mais de 40% dos trabalhadores brasileiros estão na informalidade.
Além disso, muitas comunidades carentes dos centros urbanos são aglomerados de moradias desprovidas de serviços básicos, como saneamento. Há o risco de rápida proliferação da epidemia em diversas dessas comunidades, onde, para agravar, será mais difícil implementar as políticas de transferência de renda.
Será crucial repassar dinheiro para os grupos sociais vulneráveis, utilizando as contas bancárias, os meios de pagamento e os programas sociais já existentes.
Em terceiro lugar, o poder público deverá coordenar os esforços para garantir o acesso tanto aos bens básicos para essas comunidades quanto aos serviços médicos que serão necessários. Cuidar das famílias excluídas da sociedade formal será o nosso maior desafio dessa pandemia.
As prefeituras têm mais condições de monitorar, identificar e alertar sobre eventuais problemas localizados, que poderão variar significativamente conforme a comunidade. Os estados, com o apoio do governo federal, por sua vez, informados das restrições de oferta e das múltiplas necessidades locais, deverão fazer a gestão do racionamento e da distribuição dos bens básicos.
Em quarto lugar, será preciso auxiliar as empresas para evitar falências e demissões em massa.
Alguns defendem diminuir as obrigações tributárias associadas ao faturamento das firmas. Será mais eficaz, no entanto, reduzir as contribuições que incidem sobre a folha de pagamentos, como para a Previdência Social ou o sistema S, desde que o emprego seja preservado.
Outros propõem que as famílias possam deixar de pagar pelos serviços de utilidade pública, deixando a conta para as fornecedoras. O populismo, uma vez mais, será desastroso e poderá resultar no colapso dessas empresas e na paralisia das suas atividades, para prejuízo da população. Esse programa de auxílio às famílias deverá ser arcado pelo conjunto da sociedade.
O setor privado e seus acionistas, porém, devem saber que terão que fazer a sua parte. Não é hora de pedir favores, como se tornou lugar-comum em muitas associações de empresários. As contribuições obrigatórias que as alimentam devem ser suspensas.
A emergência é cuidar da crise atual. Os custos desses programas são temporários, mas implicarão aumento da dívida pública, que irá onerar a sociedade nos próximos anos. Por essa razão, devemos ter clareza das prioridades na alocação de recursos.
Quanto mais eficazes forem essas medidas, maior será a garantia de que os serviços essenciais e a oferta de bens e serviços serão preservados, assim como a subsistência das pessoas.
A redução de salários proposta pelo governo deveria se limitar à fatia de renda dos 10% mais ricos do país, incluindo os servidores públicos.
A gravidade da crise vai requerer esforços de todos nós. A solidariedade deve começar pelo exemplo da elite.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 20/3/2020