Dizer que o sistema político brasileiro é cronicamente corrupto não traduz novidade alguma; trata-se de fato sabido e ressabido que, há muito, tisna a honra e a moral pública nacional. Dentro desse contexto, se quisermos mudanças estruturais mais profundas, precisaremos ir além da crítica e da simples constatação fática. Para vivenciarmos uma experiência cívica transformadora e evolutiva, necessariamente teremos que colocar o dedo na ferida e, assim, expungir o pus da desonestidade que tanto infecta a vida política do país. Aqui, é natural que nos perguntemos: das muitas feridas abertas, qual delas é que temos que apertar?
Pois bem. A pergunta não é fácil, mas escolherei uma resposta que, a meu juízo, é o nascedouro dos vendilhões e seus asseclas. Com a proclamação da República, nosso sistema de representação, ao invés de evoluir para uma visão partidária e orgânica da atividade política, manteve um forte traço personalista. Digo isso porque, se antes tínhamos o rei, depois passamos a ter um presidente, que nada mais do que um monarca eleito. O presidente, aliás, pode ser brilhante ou um nulo e, por maior que seja a sua nulidade, terá o sagrado direito de se manter no cargo até o fim do mandato, faça chuva ou faça sol. Tal característica, ao invés de trazer estabilidade, engessa a própria dinâmica natural do jogo político. Afinal, aquilo que hoje legitima, amanhã, por razão de algum escândalo ou por uma simples reorganização das forças políticas, poderá deslegitimar aquilo que até então legitimado estava.
Ocorre que, além de brecar o movimento harmônico da evolução democrática, o presidencialismo, no caso brasileiro, tem uma agravante moralmente devastadora: como não temos partidos fortes, o presidente é eleito sem base parlamentar, tendo que se socorrer da alquimia da governabilidade. E aí, meu amigo, até almas são vendidas para um lugar no céu do Planalto. Com o tempo, a arte de bem governar é transformada em promiscuidade vulgar, podendo, inclusive, sobrar dinheiro sujo até no atilho da cueca. De tantas situações vexatórias que temos presenciado nos últimos tempos, fácil concluir que, no Brasil, a receita pública é limitada, mas a criatividade corruptiva é infinita.
Sim, não há dúvida de que a corrupção é um risco inerente da democracia. Aqui, o problema central não está no safado, mas justamente na sua impunidade. O que corrói a mola ética do sistema político é a irresponsabilidade daqueles que pensam que estão acima do bem e do mal e, assim, vivem a ilusão de que podem violar livremente a lei. Felizmente, o julgamento do famigerado “mensalão” joga novas luzes de moralidade e esperança em nosso sistema político. Agora, não vamos ser ingênuos e perder a exata dimensão do problema: é lógico que, dessa vez, os defraudadores do poder se lavaram com dinheiro público; todavia, as denúncias estão a mostrar que a corrupção também atinge santos de outras igrejas. Portanto, enquanto tivermos um presidencialismo de partidos tíbios, seguiremos a dar palco para uma política corrupta. Seria o parlamentarismo de Raul Pilla a solução? Teoricamente sim, mas a simples existência de agremiações partidárias coesas e programaticamente sérias já ajudaria bastante. Ou será que estarei a sonhar?
Você está a sonhar: http://comentarioscontidos.blogspot.com.br/2011/12/corrupcao-sistemica.html