O presidente eleito, Jair Bolsonaro, defendeu ontem um aprofundamento da reforma trabalhista, que foi aprovada no ano passado pelo Congresso. De acordo com Bolsonaro, “é horrível” ser patrão no Brasil com a legislação atual:
— Quero cumprimentar quem votou na reforma trabalhista. Devemos aprofundar isso daí. Ninguém mais quer ser patrão no Brasil, é horrível ser patrão no Brasil com essa legislação que está aí. Nós queremos, através do Parlamento, mudando as leis, fazer com que nós tenhamos prazer de ver pessoas investindo no Brasil e pessoas dentro do Brasil acreditando no seu potencial.
Mais tarde, Bolsonaro afirmou que ainda está estudando as reformas a fazer, mas ressaltou que “não basta ter só direitos e não ter empregos”.
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— Não quero entrar em detalhes aqui, estamos estudando. Agora, não basta ter só direitos e não ter empregos. Alguns falam até que poderíamos nos aproximar da legislação que existe em outros países, como os Estados Unidos. Acho que seria aprofundar demais. Mas a própria reforma trabalhista última, em que votei favorável, já tivemos algum reflexo positivo. O número de ações trabalhistas praticamente diminuiu pela metade.
Segundo integrantes do governo de transição, o plano é criar uma nova carteira de trabalho, verde e amarela, para reduzir custos e gerar empregos. Quem for ingressar no mercado e tiver entre 20 e 25 anos poderia optar pelo novo contrato, mas teria direitos reduzidos. O trabalhador poderia, por exemplo, abrir da mão da contribuição patronal para o INSS e de encargos como auxílio-doença. Em contrapartida, teria liberdade para investir o FGTS.
Há espaço para mudanças, dizem especialistas
Para especialistas, há espaço para novas mudanças, mesmo com tão pouco tempo de aprovação da reforma trabalhista. Alguns pontos que poderiam ser aprofundados pelo governo Bolsonaro são os que estavam previstos na Medida Provisória 808, editada pelo presidente Michel Temer, mas que acabou caducando por falta de quórum no Congresso.
— A MP 808 buscava aprofundar a reforma trabalhista ao regulamentar pontos polêmicos do texto aprovado em 2017 — diz o advogado Antonio Carlos Matteis de Arruda Junior, sócio da área trabalhista do escritório Velloza Advogados, em São Paulo. Entre outras coisas, o texto da MP colocava regras para o chamado trabalho intermitente, feito muitas vezes por trabalhadores autônomos em suas próprias residências, além do emprego de gestantes. Seguir adiante com as medidas, já discutidas de alguma maneira pela atual legislatura, não traria grandes desgastes políticos ao governo Bolsonaro porque a atual reforma trabalhista já tem ganhado consenso entre magistrados e especialistas da área.
— Antes a legislação era muito restritiva na relação entre empregados e empregadores. Dava pouca margem à negociação. Isso já está claro para os legisladores brasileiros. Falta regulamentar alguns pontos dessa ideia que vem ganhando jurisprudência — diz o advogado Rodrigo Takano, sócio dedicado ao direito trabalhista no escritório Machado Meyer.
Apelo por redução de custo da folha?
Há, no entanto, quem entenda que na fala de Bolsonaro sobre a dificuldade de ser patrão no Brasil um apelo para reduzir o custo da folha de pagamentos no país, reconhecidamente mais alto que o de países vizinhos e outros emergentes. Na campanha, o presidente eleito mencionou o desejo de criar uma carteira de trabalho “verde-amarela” com regras mais flexíveis e menos direitos que as atuais, em nome da desoneração da folha de pagamentos.
O foco da nova carteira seriam os jovens atualmente fora do mercado de trabalho. A grande questão aí é que a maior parte das despesas trabalhistas atualmente é decorrente de garantias constitucionais, como férias, acesso ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e o 13º salário, e que dependem de três quintos dos congressistas para ser aprovada.
— Os custos da folha de pagamentos hoje são os mesmos de dois anos atrás. Mexer nisso seria uma mudança bastante estrutural que não foi tocada pela reforma trabalhista de 2017. O problema é reunir apoio para uma mudança desse porte — diz Letícia Ribeiro, advogada trabalhista do escritório Trench Rossi Watanabe. Para a especialista, caso o governo encontre oposição a esse tipo de reforma agora, restaria a alternativa de mexer nos encargos previdenciários atuais. Mas, aí, a discussão seria numa reforma da Previdência, e não numa reforma trabalhista.
Fonte: “O Globo”