Diante das constantes tentativas de reescrever a História de acordo com os interesses e as biografias de quem está no poder, o ex-ministro Pedro Malan já disse, cheio de razão e ironia, que no Brasil até o passado é incerto. Dar clareza e nitidez à História e aos seus protagonistas é o grande valor, além da narrativa fluente, elegante e sincera, das memórias do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em “O improvável presidente do Brasil”, escrito originalmente em inglês com a colaboração de Brian Winter e traduzido por Clovis Marques. Daria um filmaço.
Com sua vasta cultura, seu fino humor e sua capacidade de expressar suas ideias, o professor Cardoso conta, com notável poder de síntese e de análise, uma pequena grande história do Brasil moderno, através da surpreendente e acidentada trajetória de um príncipe da sociologia ao exílio e à Presidência da Republica, pontuada por quase inverossímeis lances de sorte, e por grandes desastres do acaso, num país tropical que supera a mais fantasiosa ficção.
Para um gringo que não conheça o Brasil, seu povo, seus políticos e sua cultura, além de uma aula de história contemporânea, narrada de um ponto de vista privilegiado, num tempo de grandes transformações, deve ser uma leitura tão eletrizante como um romance, tantas as peripécias, surpresas e viradas da história, além do charme e grandeza do protagonista e da vileza dos vilões. Para brasileiros também, mas por outros motivos.
O principal é restaurar, antes que seja tarde, a verdade histórica, na visão sociológica do que era o país antes do Plano Real e na narrativa de sua heroica implantação, enfrentando a resistência das elites que viviam da inflação e a sabotagem do PT e de seu ex-aliado Lula, que sentenciou: “Esse plano não é um sonho, é um pesadelo, que vai servir apenas para congelar a miséria no Brasil”.
Mas o sonho era real e nada foi melhor para os pobres — e para Lula e o PT — do que o plano que domou a inflação e nos deu, como nunca na história deste país, uma moeda de verdade, criando as condições para as conquistas econômicas e sociais dos governos seguintes.
Fonte: O Globo 7/3/2014
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