O Brasil passa por um momento de ajuste fiscal, focado no corte de gastos públicos e aumento de impostos. A pressão causada pelo desequilíbrio nas contas do governo, porém, pode ser uma oportunidade para se aprimorar a governança do setor público, segundo a presidente do Instituto de Governança do Canadá, Maryantonett Flumian.
Para a especialista, que liderou a implementação, em 2005, de um modelo de gestão que concentrou serviços públicos oferecidos aos cidadãos em um único órgão, quando foi vice-ministra de Serviços do Canadá, a pressão fiscal gera “oportunidade para aprimorar a governança, porque, com as costas na parede, o governo reage de forma inovativa”.
Em um contexto de corte de gastos, Flumian defende que o governo use a tecnologia e seja criativo para otimizar a gestão e racionalizar recursos disponíveis. Veja a seguir os principais trechos da entrevista com Maryantonett Flumian, que veio ao Brasil a convite do governo de São Paulo, para um debate sobre o uso de novas tecnologias no atendimento na área de serviços públicos.
O Estado de S. Paulo: Como boas práticas de governança já existentes podem melhorar o serviço público?Maryantonett Flumian: A governança é a cola que aglutina a sociedade e um bom serviço público é a máquina que faz o modelo funcionar, tentando capturar aspirações dos cidadãos e dando suporte para líderes políticos tomarem decisões. Implementar um serviço moderno é fundamental para chegar onde queremos no século XXI, especialmente durante crises fiscais.
O Estado de S. Paulo: O desequilíbrio fiscal nas contas do governo ameaça a melhoria da gestão do setor público?
Maryantonett: Definitivamente não. A pressão fiscal representa uma oportunidade para se aprimorar a governança, porque, quando o governo está com as costas na parede, talvez ele comece a reagir de forma inovativa.
O Estado de S. Paulo: Mas não seria preciso investir?
Maryantonett: Estou convencida de que não é necessário. Você precisa racionalizar os processos em vez de fazer algo muito diferente. É preciso ser mais criativo, e, também, mais radical em algumas mudanças. Assim, o governo consegue economizar para, depois, reinvestir. Apenas cortar custos, sem inovação, não reforça um bom modelo de governança.
O Estado de S. Paulo: Qual a principal medida para melhorar a governança?
Maryantonett: Eu acredito fundamentalmente que colocar o cidadão no centro dos modelos de governança começa a mudar tudo. A maneira como o governo vem se organizando até agora não funciona mais. A tecnologia deve ser mais utilizada para possibilitar que o setor público entenda o que a sociedade precisa. A confiança no governo é influenciada pela experiência do cidadão de obter e receber serviços públicos de forma fácil, rápida e eficiente. As tecnologias devem trabalhar a nosso favor.
O Estado de S. Paulo: Qual o principal desafio para se adotar de um modelo sólido de governança?Maryantonett: Todos os países têm os mesmos desafios nesta área. Os modelos de governo não se encaixam mais no atual mundo digital, onde informação e pessoas se movem tão rápido. Em São Paulo, por exemplo, é preciso descartar processos do serviço público que não servem mais para otimizar a gestão e reduzir custos.
O Estado de S. Paulo: Como a senhora vê a governança do setor público brasileiro?
Maryantonett: O Brasil tem governança, mas provavelmente não é a certa para o seu tempo. É importante colocar o cidadão no centro, pois apenas assim é possível mudar o modelo de governança de forma que o governo consiga atender aos interesses da sociedade como um todo.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 16/6/2015
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