RIO DE JANEIRO – Apesar de o Código de Defesa do Consumidor deixar claro que os serviços essenciais – água, luz, gás e telefone fixo – não podem ser interrompidos, empresas usam o corte como forma de pressionar o cidadão a quitar débitos, às vezes até indevidos, tirando dele o poder de negociação. Segundo juristas e advogados de defesa do consumidor, a interrupção dos serviços é ilegal e inconstitucional, e as fornecedoras deveriam cobrar suas dívidas como qualquer outra empresa, instituição ou pessoa física o faz: judicialmente.
Para o juiz aposentado e professor de direito da Universidade Federal do Espírito Santo, João Herkenhoff, o ato de cortar os serviços considerados essenciais é inconstitucional, já que todos são iguais perante a lei.
– Cortar o serviço é fazer justiça com as próprias mãos – diz ele. – Todo mundo que é credor e não recebe tem que cobrar nos tribunais. Por que as concessionárias se acham diferentes? A empresa pode cobrar, mas como todo mundo – explica.
Atualmente, as distribuidoras de telefonia fixa e de energia precisam avisar os inadimplentes com 15 dias de antecedência, como determinam as agências reguladoras, que não reconhecem a ilegalidade do corte. Segundo a Pro Teste (Associação de Defesa do Consumidor), são inúmeras as reclamações de pessoas que não receberam o aviso.
– Vemos muita truculência. Muitas vezes, o funcionário chega sem que o consumidor tenha recebido qualquer aviso e ainda entra no prédio para fazer o corte sem a autorização do morador – conta a advogada da Pro Teste, Maria Inês Dolci. – Nestes casos, o consumidor pode chamar a polícia e denunciar o caso.
No caso da água, a regra fica a cargo dos estados ou municípios. Para gás, não há regras definidas. Uma proposta de lei aprovada no último dia 8 no Senado e que segue para a Câmara, estabelece aviso com 30 dias de antecedência. A nova norma, no entanto, vale somente para famílias de baixa renda beneficiárias de subsídios do governo.
– A lei é muito restrita e não resolve. O corte é um absurdo, pois retira do consumidor o poder de negociar sua dívida, discutir juros e cobrança indevidas – observa o advogado Alessandro Gianelli, do Instituto Brasileiro de defesa do Consumidor (Idec). – As empresas deveriam fazer como todas as outras. Primeiro, uma tentativa de cobrança amigável, via telefone ou carta, até para dar ao consumidor, o direito de se explicar e tempo para resolver o problema.
Herkenhoff lamenta que algumas decisões na Justiça atualmente sejam favoráveis às empresas e afirma que, ainda assim, o consumidor deve entrar com processo judicial pedindo indenizações por danos morais e até materiais, caso seja prejudicado pelo corte dos serviços.
O professor de direito constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie e articulista do Instituto Millenium, João Antônio Wiergerinck, lembra que, como o próprio nome já diz, os serviços são essenciais à dignidade e à saúde da pessoa.
– Eles fazem parte dos três pilares materiais da dignidade, garantidos na constituição, que são alimentação, vestimenta e moradia, incluído neste último – destaca. – São questões de sobrevivência, não poderiam de jeito nenhum ser suspensos.
Wiergerinck defende que as empresas, em vez de cortarem os serviços, chamem o inadimplente para justificar o não pagamento e negociar a dívida ou que enviem um representante ou mesmo assistente social para verificar a situação do cidadão.
– Na maioria dos casos, a pessoa deixa de pagar porque está com um problema. Se a empresa tem recurso para mandar um veículo e funcionário para efetuar o corte, pode muito bem mandar alguém para dar atendimento à família – afirma.
O professor defende ainda que o consumidor desempregado pode negociar o rateamento do custo dos serviços durante o período que não possa pagar, em contas futuras. “O cidadão tem que ter o direito de negociar”, ressalta.
Cliente deve receber em dobro o que pagar a mais
A dona de casa Regina Madeleine conta que ficou 20 dias sem água, depois que contestou o valor abusivo das contas de sua casa. Sem o hidrômetro para medir os gastos, as cobranças, feitas sobre uma estimativa de consumo, ficavam em cerca de R$ 200 mensais. Depois que Regina pediu a instalação do aparelho de medição, a conta passou a chegar no valor de R$ 70.
– Contestei as contas antigas e disseram que devolveriam o que foi pago em excesso como crédito e que eu não precisaria pagar as contas seguintes. Mas depois cortaram minha água sem nenhum aviso – conta Regina, que ainda teve que pagar taxa de R$ 60 para restabelecer o serviço.
A Cedae informou que não devolve valores nos casos de troca de limitador de consumo para hidrômetro. Para o advogado Alessandro Gianelli, no entanto, a instalação era obrigação da companhia, e Regina tem direito a receber em dobro e em dinheiro o que pagou a mais.
– Ela pode procurar o Procon ou a Justiça. Ficar sem água traz prejuízo emocional e material a toda a família, portanto, cabe indenização.
Já Fátima Turinho recebeu um comunicado de que seu nome seria incluído no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), por débito na Light, sem um aviso da empresa. “Me mudei e comuniquei à Light. Recebo as contas do novo endereço, mas nunca recebi esse débito do antigo imóvel”, relata.
Segundo Gianelli, incluir essa prática também é ilegal. “Serviço essencial não é crédito, portanto, não há nada que justifique a inserção do nome do inadimplente nos cadastros”, explica, acrescentando que Fátima pode exigir na Justiça a retirada do nome do SPC e pedir indenização.
A Light informou que solicitou a retirada do nome da cliente do SPC, prorrogou o prazo para pagamento da conta até 29 de abril e a fatura será entregue em seu novo endereço.
Fonte:
http://jbonline.terra.com.br/pextra/2010/04/17/e17044921.asp
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