O debate sobre a Previdência esteve muito focado no INSS, o instituto através do qual trabalhadores empregados recolhem uma contribuição que é utilizada para os pagamentos aos inativos. É um sistema, digamos assim, “da mão para a boca”, ou mais precisamente de uma mão (jovem) para outra boca (inativa), e que pode ficar seriamente desequilibrado com mudanças demográficas.
Pouco se falou, no entanto, sobre previdência complementar em regime de capitalização, aquela onde o indivíduo se aposenta com o que poupou, incluído o rendimento adequado do seu dinheiro.
Na verdade, se a “reforma da Previdência” serve para assegurar uma velhice confortável ao cidadão contribuinte, deveria cuidar de mudanças coordenadas nesses dois pilares do sistema, e em especial do segundo.
A primeira vantagem de se trazer a previdência por capitalização para o debate é a de oferecer um conceito intuitivo de aposentadoria justa: aquela que resulta diretamente do esforço de poupança do contribuinte somado à poupança feita a seu favor pelo seu empregador nos termos combinados em seu contrato de trabalho.
Se o cidadão, ao se aposentar, ganha mais do que isso, será em razão da generosidade da sociedade em assim presenteá-lo e necessariamente às custas de terceiros que nada têm com o assunto. Analogamente, se receber menos, será porque o governo lhe surrupiou um pedaço em benefício de algum escolhido das autoridades.
Como seria possível criar uma previdência por capitalização em larga escala no Brasil?
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Resposta: através de poupanças previamente acumuladas pelas pessoas, nem sempre voluntariamente, e que têm sido utilizadas para outros fins. Estamos falando do FGTS, um fundo que tem 86,4 milhões de quotistas, mas cuja utilização passa bem longe dos melhores interesses dos donos do dinheiro.
O FGTS é caro, mal gerido e remunera miseravelmente o quotista.
A Caixa cobra uma taxa de administração elevada para gerir os recursos que, em verdade, formam uma linha auxiliar de funding para seus empréstimos habitacionais e de infraestrutura urbana, todos fortemente subsidiados.
Não se pratica no FGTS, ao contrário do que se passa em fundos de pensão, uma política de investimento que busque a melhor rentabilidade para o quotista, observado o seu perfil de risco. Ao invés, a prioridade é para os objetivos do governo, ainda que o dinheiro seja privado.
Além disso, o FTGS criou uma linha especial de investimentos em infraestrutura, o famoso FI-FGTS, que investiu em diversos projetos muito citados pela clientela da Operação Lava-Jato.
Durante o período 2003-2017, o FGTS rendeu para seus quotistas exatos 95%, correspondentes a TR + 3% anuais, perdendo para o IPCA do período, que andou 141%. Enquanto isso, o CDI andou 511% e o rendimento médio dos 262 fundos de pensão em funcionamento no país alcançou 641%.
Isso quer dizer que, em retrospecto, se o FGTS tivesse se convertido em um fundo de pensão em 2003, e investido seus recursos tal qual a média de outros da espécie, cada R$ 1 teria se transformado em R$ 7,41, e não em R$ 1,95 como se verificou.
Os R$ 5,46 dessa diferença, que poderiam estar na conta dos quotistas do FGTS, foram gastos pelo governo em “políticas públicas”. Muitos empregos podem ter sido criados, e muitas pessoas podem ter ficado felizes com isso, mas por que o governo não faz essas bondades com o dinheiro dele?
O ônus desse esquema é do cidadão poupador que deixou de acumular recursos que lhe garantiriam mais qualidade de vida na terceira idade.
Na posição de setembro de 2017, o FGTS possuía R$ 486 bilhões em ativos, e cada um de seus 86,4 milhões de quotistas poderia conjecturar que teria 7,41 vezes o que contribuiu de 2003 para cá se o FGTS tivesse investido como um fundo de pensão, observando o interesse do dono do dinheiro.
No fim de 2017, os 262 fundos de pensão em operação no país tinham R$ 802 bilhões em investimentos para 2,6 milhões de participantes ativos e 750 mil assistidos.
Uma boa reforma no FGTS faria muita gente mais tranquila com a reforma da Previdência.
Fonte: “O Globo”, 29/04/2018