Passada uma das maiores de suas recessões, o Brasil experimenta os primeiros sinais de uma retomada que, segundo economistas, prenunciam um ciclo virtuoso com chances de durar uma década. Mas, se a economia volta aos trilhos, os gastos do governo seguem descarrilados, e o culpado principal é a Previdência. Com déficit recorde de R$ 268,7 bilhões em 2017, o sistema de aposentadoria brasileiro já consome mais da metade do que gasta o governo, inviabiliza investimentos em áreas como educação e saúde e aprofunda desigualdades. Provocado por um misto de privilégios e envelhecimento a jato, o problema é alvo da principal proposta de reforma do governo Temer, que enfrenta resistência no Congresso e pode acabar legada ao próximo presidente. Não aprová-la agora, porém, seria ignorar uma oportunidade única de recuperação consistente e duradoura para voltar à rotina de “voos de galinha”, alertaram o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, e o economista José Márcio Camargo no encontro “E agora, Brasil?”.
Promovido pelo “Globo”, com patrocínio da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e apoio do Banco Modal, o painel debateu os desafios da Previdência na Maison de France, no Rio, na terça-feira. O encontro foi mediado pelos jornalistas Merval Pereira e Míriam Leitão e teve a presença de empresários e outros colunistas e editores do “Globo”.
— Nós gastamos 57% de toda a despesa do governo com a Previdência e 2% com investimento. Estamos gastando com o passado e nada com o futuro — comentou o ministro. — O governo tem condições de transmitir confiança de que as contas públicas vão estar estabilizadas no futuro? Essa é a pergunta que vai definir se nosso crescimento vai ser um voo de galinha ou se vamos ter um grande ciclo. (…) O momento é agora. Temos que aprovar isso. É uma encruzilhada para o futuro do país.
EM 20 ANOS, 100% DO ORÇAMENTO
Oliveira lembrou que, enquanto as contas públicas fecharam 2017 com déficit de R$ 124,4 bilhões, a Previdência encerrou o ano com rombo de R$ 182,4 bilhões — levando em conta só o Regime Geral da Previdência Social (RGPS), operado pelo INSS. Incluindo a aposentadoria de servidores e militares, o déficit chega a R$ 268,7 bilhões.
— Portanto, o restante do conjunto precisou ter um superávit de R$ 144 bilhões para compensar o déficit de R$ 268 bilhões — disse Oliveira.
Os números comprovam a urgência da mudança. O rombo do regime geral do INSS saltou 250% em apenas sete anos, para R$ 182,4 bilhões no ano passado. Como proporção do PIB, essa despesa atingiu 8,5% no ano passado, contra 6,8% há dez anos. Camargo observou que, no caso dos benefícios pagos ao setor público, o rombo somou R$ 1,292 trilhão entre 2001 e 2015, muito mais do que o governo gastou com saúde e educação no mesmo período.
— Se hoje gastamos 57% do Orçamento com Previdência Social, daqui a 20 anos serão 100% — afirmou Camargo, professor de Economia da PUC-Rio. — O país fez várias reformas no último ano e meio totalmente inesperadas. O que está acontecendo é claramente o início de um processo de crescimento que pode se tornar sustentável, mas se nós conseguirmos resolver nosso problema fiscal.
A principal mudança proposta pela reforma da Previdência estipula idade mínima para aposentadoria, de 65 anos, para homens, e 62, para mulheres. Se aprovada, ela será adotada de forma gradativa, iniciando aos 55 anos (homem) e 53 (mulher) no INSS. No setor público, avançará dos atuais 60 anos (homem) e 55 (mulher). O governo estima uma economia de R$ 500 bilhões em dez anos.
Embora tenha sublinhado a urgência da reforma, Oliveira reconheceu que o projeto enfrenta oposição. O governo estima ter até agora 270 votos favoráveis no Congresso, mas precisará de pelo menos 308. Por isso, admitiu o ministro, o Executivo está focado em uma estratégia de convencimento pragmática e disposto a fazer concessões — desde que traga apoio e não comprometa sua essência:
— Não aceitaremos que a reforma não combata privilégios. O princípio tem que ser preservado. Alguma alteração pode ser feita, desde que traga votos. Não adianta ficar amarrado a uma ideia e não aprová-la.
‘NÃO HÁ PLANO B’
Mesmo sem os votos, Oliveira afirmou que continua trabalhando com uma tentativa de aprovação em fevereiro. O ministro sustentou que o governo não trabalha com plano B e que adiar seria reduzir a eficácia das mudanças. Segundo Oliveira, o que emperra a aprovação é o descontentamento de setores que são hoje indevidamente beneficiados:
— Há pressão de grupos tentando manter tratamentos privilegiados. É contra o que lutamos.
Para Camargo, pressões à parte, o adiamento só terá uma consequência: a obrigatoriedade de uma reforma que a cada dia precisará ser mais dura:
— O plano B seria muito mais duro do que o plano A. Quanto mais tempo passa, maior a porcentagem do Orçamento gasto com Previdência, então, mais terá de ser cortado na reforma. Ela vai ter de ser feita, não tem jeito.
Frederic Kachar, diretor-geral de “Infoglobo”, “Editora Globo” e “Valor Econômico”, elogiou o didatismo com que os números que envolvem a Previdência foram dissecados:
— Foi um debate saudável, baseado em fatos concretos, em números sem controvérsia, e menos em coisas obscuras, subjetivas, e que não se sustentam, mas causam confusão na cabeça das pessoas.
Alan Gripp, diretor de redação do “Globo”, também destacou a incontestabilidade dos números:
— Os números apresentados são gritantes, essenciais para fundamentar a escolha do país que queremos nos próximos anos.
Ernane Galvêas, consultor econômico da CNC, defendeu a evolução das reformas:
— Para sairmos desta crise, é fundamental que as reformas evoluam. Temos que confirmar a reforma trabalhista, que vem sofrendo muitas ações na Justiça, e fazer a tributária. Mas a mais importante de todas, que terá um grande peso na solução da situação deficitária do país, é a da Previdência. Ela será responsável por equilibrar as contas do país.
Fonte: “O Globo”