No governo de Michel Temer, o fracasso na aprovação da reforma da Previdência decorreu da perda de capital político do presidente, causada pelo episódio de seu encontro com Joesley Batista no Palácio do Jaburu em Brasília, e do fracasso na batalha da comunicação. A esquerda e as corporações convenceram a opinião pública de que a reforma era contra os pobres, eliminava direitos, não havia déficit e mentiras semelhantes.
Agora, o governo de Jair Bolsonaro começou prevenindo-se da ação desses grupos. Primeiro, concentrou o eixo do projeto nas desigualdades e não no combate ao déficit, embora este esteja acentuado na descrição da proposta e na longa entrevista coletiva de ontem. Fica claro que os servidores públicos, o grupo mais privilegiado da Previdência, sofrerão os maiores impactos da reforma, incluindo um substancial aumento de sua contribuição para a aposentadoria, que pode atingir 22% nos salários acima de 39.000 reais. Segundo, criou tabelas progressivas para as contribuições devidas ao INSS, à moda do Imposto de Renda. Será de 9,5% a 11,68% para quem ganha acima de 3.000 reais. Para os que recebem o salário mínimo, a contribuição será reduzida de 8% para 7,5%. Isso enfraquece o discurso de que a reforma é contra os pobres.
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Terceiro, o governo anunciou que vai cobrar as dívidas de contribuintes relapsos. Esses direitos, inscritos na dívida ativa do INSS, alcançam perto de 500 bilhões de reais. Na verdade, tudo indica que se trata de um truque de marketing, que já encantou muita gente. Foi elogiado ontem mesmo por jornalistas de programas de TV. Seja como for, a medida destrói o argumento de grupos contrários à reforma, que negavam a existência do déficit de cerca de 300 bilhões de reais, confundindo estoque com fluxo. Bastava cobrar, afirmavam.
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Na verdade, apenas um terço desse valor pode ser recuperado. Os outros dois terços são devidos por empresas sem condições de pagar, principalmente as falidas ou que já desapareceram. Mesmo assim, receber esses atrasados não depende do governo, pois se tratam de valores em cobrança na Justiça. Não há ação possível do governo para acelerar o processo, salvo uma maior diligência de seus advogados perante os respectivos juízes.
Convencer a opinião pública, que se tem manifestado majoritariamente contra a reforma, exigirá muito mais do que isso, incluindo uma boa estratégia de comunicação, mas o governo começou bem na tarefa de vencer o desafio.
Fonte: “Veja”, 21/02/2019